Nenhuma dor maior do que se recordar do tempo feliz na miséria

"Nessun maggior dolore che ricordarsi del tempo felice nella miseria" (Dante)

Nas vicissitudes da vida, o tempo de recordar tem sido um companheiro constante. Com suas mãos ossudas, frias, a miséria tem me aplicado a palmatória com severidade, deixando vergões difíceis de cicatrizar. Mas o pior é lembrar-me dos dias ditosos, do cheiro da chuva, das risadas espontâneas, do futuro visto com os olhos de criança. Contudo, agora os dias são imprecisos, o cheiro que impregna é o da cova aberta, pronta para tragar-me, as minhas risadas são cínicas e condescendentes. O futuro é uma estrada perigosa e escura, onde qualquer resquício de otimismo foi levado com o vento que matou minha alegria.

Estou envelhecendo. Já sinto o peso da idade sobre meus ombros. Estou condenada a aguentá-lo, assim como Atlas suporta o mundo. Nessa hora eu me lembro quando toquei a felicidade, quando a tive em meus braços e a enlacei. Recordo-me perfeitamente quando a perdi, tornei-me adulta, os meus olhos se abriram e a ingenuidade fugiu pela janela. Quem me dera aquela cegueira piedosa! Verto as primeiras lágrimas de um rio caudaloso. É ruim recordar. É doloroso. Tenho vergonha do meu infortúnio, mas o meu orgulho caiu por terra, assim como meu contentamento. Não sobrou quase nada, porém, ainda consigo escrever, o que não significa força de vontade da minha parte. É só uma forma de passar o tempo, de matar o tédio que me incita a agonia. Não suporto ouvir os sons dos risos. Nesses dias tristes, melancólicos, eu escuto Chopin.