'Todas as cartas de amor são...

É dia 21, já são tantos anos, a senhora sabe. Desde meus 4 anos de idade eu não gostava de matemática e as coisas eram um pouco difíceis. Sempre precisei de algum estímulo para me sentir útil ao mundo e parece que encontrei isso quando amei a senhora, e, deve ter sido o meu segundo amor (já que o meu primeiro amor foi mainha). Sabe, eu gostava mais era de ler, escrever e de bicho, dá pra ver pelo caderninho encapado com um papel muito bonito: cheio de letras e bichinhos. Dá pra ver também uma dessas paixões pela cartinha que a senhora escreveu pra mainha e pra painho, no respectivo dizendo assim (eu lia com 4 anos, era?):

'Osita e Antônio, vocês estão de parabéns, a cada dia que passa, Alana está mais estudiosa, mais sabida. O nível de aprendizagem dela é fantástico. Estou imensamente feliz com isso. Peçam pra ela ler pra vocês ouvirem, sei que vão ficar tão emocionados quanto eu. Deus queira que ela não fique inibida diante de vocês, porque têm crianças que ficam, não é? Não sei se ela comenta, tenho elogiado muito, aplaudido, ela está merecendo todo o elogio. Depois conversaremos melhor. Nádja Borba.'

Hoje eu só recebo elogios, de-vez-em-nunca, em provas dizendo: 'resposta muito boa' ou 'boa redação, leia mais artigos científicos'. A senhora nota como são frios? O da senhora foi um dos elogios mais bonitos que eu recebi até hoje, juro. Parece que a senhora tá aqui me dizendo essas coisas, sabe? Me dizendo de uma forma ou de outra que é preciso seguir em frente, não desistir. Já tenho 19 anos, Tia. O tempo não perdoa, já tenho até algumas marcas no rosto (deve ser sol) e outros tantos no coração também! Como é que a senhora deve tá hoje em dia? Ainda com o mesmo cabelo curto? Com o sorrisão bem saliente ainda? Espero que esteja assim ainda. Ainda. Meu cabelo ficou mais claro e mais liso também. Gosto ainda muito de escrever, ler e encontrar um cavalo pelo caminho e dizer: 'tchau, cavalo'. Todas essas cousas me fazem bem, sabe? O sorriso continua o mesmo, dizem.

Nos velhos dias tristes, às vezes, os seus 'parabéns linda!', 'amo você', 'você é pra lá de especial' ou os 'você me faz feliz' que a senhora me escrevia com todo o carinho do mundo não adiantavam muita coisa. Mas me faziam um bem danado. Porém, a coisa mais significante que ficou em mim foi quando fiz um desenho bem bonito (hoje eu não sei decifrar o que desenhei... possui asas, estaria eu lhe chamando de anjo?) e coloquei em um desses cadernos esquecidos um 'amo' a lápis. A senhora entendeu o recado, obrigada. Obrigada também por ter me ensinado, dentre muitas coisas, que amor é principalmente aquele sentimento que surge sem querer e que faz a gente fazer de tudo pra ver a outra pessoa feliz, nem que seja com algumas anedotas escritas em cadernos de Jardim II.

Amor imenso de grande e grande. Alana Soares, ex-aluna do Jardim II e universitária de Zootecnia.

... não seriam cartas de amor se não fossem.' Fernando Pessoa/Álvaro de Campos.