PROCURA-SE


A quem possa interessar

Procura-se um amigo que goste de escrever cartas. Um amigo que goste das coisas simples da vida, mas que também saiba apreciar algumas sofisticadas, complicadas, porque a vida sempre igual é muito tediosa. Esse amigo pode ser também solitário, mas isso não é essencial. O importante é que possamos trocar experiências, que ele goste de comentar o que está lendo, sentindo, vivendo, sonhando, sofrendo. Um amigo que goste de falar,  de abrir a alma, de ouvir, de ser ouvido. Que aceite e possa fazer isso em aberto, como eu estou fazendo agora. Se ele não quiser, não precisamos falar de nossos problemas,  porque problemas todos nós temos; nem mesmo de coisas pessoais, porque estaríamos desnecessariamente nos expondo, e expondo os envolvidos.

Tenho uma longa tradição de amigos "por correspondência", desde uma época em que havia modos específicos de fazer contato, como hoje existe o intercâmbio, tanto com pessoas do nosso país, quanto com estrangeiros;  uma forma de treinarmos as línguas que aprendíamos.

Tive amigos que saíram do país, forçadamente, em uma determinada época, e com eles troquei correspondência por anos e anos.

Creio que a minha iniciação, meu gosto pela escrita vem das cartas. Com elas exercitei a prosa. Os amigos com quem já me correspondi, sempre foram de grande ajuda nas reflexões sobre a vida, principalmente sobre as questões sociais e filosóficas.

Valorizo demais esse tipo de exercício e uma carta é um dos melhores meios que conheço para isso. Afinal, meus futuros amigos, se é que vai aparecer algum, o que estou fazendo aqui, senão refletir? Uma carta é diferente de qualquer outro tipo de expressão. Tanto que aqui está classificada em separado, como um outro tópico. Quem estuda a parte teórica da literatura, com certeza conhece textos de cartas que escritores e pensadores trocaram entre si.

Não desprezo as outras formas através das quais trocamos impressões, mas quantos pensamentos profundos, quantas reflexões, análises, trocas de experiências, de ideias, ficam soltas, em alguma postagem por aí... É certo que não somos assim tão importantes, eu pelo menos, não. Porém, nunca temos uma visão distanciada do momento histórico que vivemos. Sobre nós dirá o futuro, ou não, quando não mais estivermos aqui.

Aceitei o convite de uma amiga e vamos nos corresponder à moda antiga, via correio. Isso traz a vantagem da privacidade, de podermos falar sobre coisas pessoais e particulares. Nos propusemos a escrever as cartas à mão, em papel de carta mesmo. Tudo como foi e como pode vir a ser um dia, se este mundo virar de cabeça para baixo (ou para cima, nunca se sabe). Nós duas temos e-mail, é claro, e bons computadores, mas escolhemos o outro meio, para variar. O contato virtual serve para outras coisas principalmente as rápidas, mas nada se compara a escrever uma carta, ir ao correio, postá-la e aguardar pela resposta. Que emoção!

Numa época de tanta violência, de tanto afastamento entre as pessoas, em que quase não saímos de casa, ou pelo menos não como ocorria tempos atrás, eu posso viver sem muita coisa, mas não sem calor humano, sem troca de ideias, sem permutar e transformar as impressões, com pessoas com as quais tenha afinidade. Posso conviver com muita coisa, mas não com o silêncio. E busco essa troca como se busca água num deserto, o diálogo que só as cartas permitem. Cartas que podemos guardar, reler, cheirar, tocar... cartas que nos permitam sentir a nossa humanidade.

Beijos.
Nilza

Toda carta tem um P.S.
Não lembro de ter escrito alguma sem ele.

P.S. Se alguém se aventurar a responder, indique-me a escrivaninha, para que eu possa ler....