Causos de Gonzagão

          Causo 1 –  "Fugindo de Casa"

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( Cantando )

Automóvel lá nem se sabe
Se é home ô se é muié.
Quem é rico anda em burrico,
Quem é pobre anda a pé.
Mas o pobre vê nas estradas
O orvaio beijando as frô
Vê de perto o galo campina,
Que, quando canta, muda de cor.
Vai moiando os pé nos riacho
Que água fresca, Nosso Senhor!
Vai oiano coisa a grané,
Coisas que, pra mode ver,
O cristão tem que andar a pé!...


( Falando )

Só voltei em casa dezesseis anos despois de minha arribada. E só fugi de casa porque eu queria casar. Mãe era mulher, ha... violenta! Casar?... Hum!...

Mas eu era tocadozin de pé de serra, namoradô como o diabo, neguin infiota... Namorei uma estudante.

Ah, menino, quando o pai da moça soube... deu uma pôpa da muléstia!

-- Tocadozin sem futuro... Luiz?... Casá?... Hum!... Deixa ele vim pra cá, que eu dou-lhe uma pisa!

Eu soube... No dia da feira, tomei umas lapada de cana. Escorei o home na feira:

-- Ô Seu Raimundo, o senhor me chamou de molequin sem futuro?
-- E o que mais, Luiz?
-- O senhor disse que eu era um tocadozin de meia tijela?
-- E o que mais, Luiz?
-- Que eu num prestava pra casá com a sua filha?
-- E o que mais, Luiz? Mintira, Luiz. Isso é invenção desse povo! Tu? Meu coração? Fi de Januário e Santana?... Há!...

O home era muito vivo!... Eu saí dali e fui contá vantage, no mei dos amigo:

-- Tai, diz que o home era brabo? Fui lá, escorei ele no mei da feira... Disse-lhe o diabo! Disse as ... Eu disse as do fim! E ele se acovardou!

Nessa hora merma ele tava conversando com Mãe, lá na feira das corda!

-- Santana, foge daqui com Luiz, pra evitar uma desgraça. Me insultou. Só não dei-lhe umas tapa porque é teu filho!

Na merma hora nós voltamos pra casa. Cheguemo em casa assim, todo mundo se admirou:

-- Mas Santana, a essa hora? Já voltou da feira? Não vendeu nem as corda? O que é que houve?

Daí a pouco, menino, foi um São João de rei... Lá dentro da camarinha:

-- Tá, tá... tu queria matar o home? Toma toma... Valei!... Tá, tá!...

Meu pai, na porta. Quando eu fugi, fui passando perto de meu pai... Meu pai nunca tinha me batido, aproveitou e imendou!...

Ah, menino!... Só voltei dezesseis anos depois! Ninguém se lembrava mais de mim. Aí, eu comecei a especular. E cheguei de longe, distante de casa umas... umas seis léguas:

-- Boa tarde!...
-- Boas tarde.
-- Vosmicê tem uma aguinha dormida aí?
-- Se arruma!

Lá vem o home, caneco dágua.

-- Aguinha saloba, essa daqui, hem?
-- É, esse pé-de-serra é tudo assim.
-- O povo por aqui ainda dança?
-- Nas quatro festa do ano.
-- Tem tocadô bom por aqui?
-- Só Januário véi!
-- Ele é bom mesmo?
-- Nunca encontrou quem lhe butasse a cangalha, no fole de oito baixo!
-- Ele tem uns fi que toca, né?
-- É... Mas foram embora pro Sul. Não vem aqui mais não, que eles não são besta.

Me chamou de besta!

-- Daqui o Exu, ainda é muito longe?
-- É umas seis légua. Aqui pra nóis. Agora, nesse carro aí, nun dá nem quatro!...

Aí, eu arquitetei um plano: vou chegar em casa de madrugada. Quero pregar uma peça no Véi Januário. Ele não me conhece mais. Vou pregar o maior susto nele. Não tenho medo não, que ele tem o coração bom.

Cheguei em casa meia-noite. Aquele silêncio. Cachorro latiu de cá, outro latiu de lá. Cheguei mermo na nossa casa veia:

-- Ô de casa???

Ninguém!

-- Ô de casa!!!

Ninguém!

Aí, eu me lembrei do Prefixo Sertanejo:

-- Lovado seja Nosso Sinhô Jesus Cristo!
-- Para sempre seja Deus lovado!
-- É seu Januário?
-- Sim sinhô!
-- Tenho um recado pro sinhô, que seu filho mandou... Luiz! Mas, quando vié daí, Seu Januário, traga um coco de água pra eu, que eu tou morrendo de sede!

Aí, vi o velho acender o candinheiro lá dentro. Daí mais uma coisinha, escutei foi o tibumgado do caneco, no pote:

-- Tibumg!...

Aí, olhei pela brecha da janela, o Véi vem, com o candinheiro na mão, caneco dágua na outra, marquei qual era a janela que ele ia abrir. Aí, eu butei minha cara mermo na janela, assim. Quando ele abriu, tava de cara com cara. Ele se incandiô no candinheiro, e disse:

-- Quem é o sinhô?..

Eu disse, na cara dele:

-- Luiz Gonzaga, seu filho!...

-- Isso é hora de você chegá em casa, corno severgonha?

Quando eu voltei lá no... Péra aí... Então eu sou chamado de corno e vocês aplaude?...


Cantando:

Quando eu voltei lá no Sertão,
Eu quis zombá de Januário,
Com meu fole prateado.
Só de baixo, cento e vinte,
Botão preto, bem juntinho,
Como nego impariado.
Mas, antes de fazê bonito,
De passagem por Granito,
Foram logo me dizendo:
De Taboca a Rancharia,
De Salgueiro a Bodocó,
Januário é o maior!

E foi aí que me falou, meio zangado, o Véi Jacó:

Luiz, respeita Januário!
Luiz, respeita Januário!
Luiz, tu pode ser famoso,
Mas seu pai é mais tinhoso
E com ele ninguém vai, Luiz,
Luiz, respeita os oito baixo do teu pai.
É... com o veio macho ninguém vai!


( Falando )

É, Luiz... Tu tá muito importante!.. Mas tu tem que respeitar os oito baixo de seu pai! Januário é Januário, Luiz! Eitha, serviço danado!...

E tome Xote!... E tome Samba!...

***

Bom... se saudade matasse, eu juro que eu não estava mais aqui!...

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Compadre Lemos
Enviado por Compadre Lemos em 30/09/2008
Reeditado em 01/08/2010
Código do texto: T1204676
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