SEU CHICO PREÁ

Dizem que preá é bichinho procriador, chegado a produzir filharada incontável. Sua família avulta aos confins. Tem até sujeito, por aí, que se trepa na gabolice e dispara bastante macheza, à toa, para nivelar-se à miudeza animal:

- O papai, aqui, é macho que só preá de balseiro!

Num teretetê, como reza a experiência do camponês, o homem do preá cobre a fêmea, que, pouquinho depois de esvaziada, já anda de novo de pança por acolá. E isto em barrigadas contínuas, sem recreio de descanso, só para variar.

Mas não é justo do bicho preá que vou, aqui e agora, debruçar minhas falações. Vou e quero, deitado no hoje, tecer palavrório de prosa marruá é em cima de um certo seu Chico, dito ele Chico Preá, velhinho e negro baixote que conheci nos cimos da serra, bandas do maciço de Baturité.

Acho que seu Chico escondia-se lá por Guassy, o vilarejo mais próximo e montado no topo. Filho dele, outro Preá, o Luís, é que era quase vizinho e morador de aderentes nossos, mas cidadão com escamada fama de caboclo bom, matuto com uma récua de filhas fêmeas, laborioso, ele, sobretudo, além de ordeiro e honesto até ali. Com efeito, uns tempos depois, este Preá mais novo afinou o pelo, comprou terras de sítio do Brígido, mais além.

E, num dia qualquer, lá se vinha seu Chico descendo o caminho, o rumo do nariz apontando para Redenção. Eu só o via a pé, que preá não é camarada de meter-se a viver montando em jegue ou qualquer outro bicho de quatro. Então, foi aí que o velho meu pai, com ares de molecagem, quando notava o baixotinho idoso com a pessoa dele metida na estrada, cumprimentava-o assim, de pronto, sem tirar nem aumentar: - Chiiico, ô Chico Preá! Eu já ia mesmo até armar um quixó, pra pegar um preá, quando você me aparece...

E meu pai largava-se do alpendre, fingia tomar de uma pedra e esboçava o jeitão maroto de escorá-la com um pau, também imaginário. Era o mundéu de faz-de-conta para recolher seu Chico Preá. A fumar numa quenga, o pretinho retinto, ao ver aquela arrumação de menino peralta, lascava o cajado do desaforo: - E a mãaae, seu cabra velho filho de uma éeegua?!

Depois do ritual de uso, sem consequências graves na altercação, os dois coroas davam-se às melhores e riam juntos as mesmas gaitadas. Aquilo era paleio antigo. Tudo, portanto, acabava em pitça.

Fort., 06/10/2008

Gomes da Silveira
Enviado por Gomes da Silveira em 06/10/2008
Código do texto: T1214895
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2008. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.