CAUSOS DA BOLEIA – NO FIM TUDO DÁ CERTO, SE NÃO DEU É PORQUE AINDA NÃO CHEGOU O FIM.

CAUSOS DA BOLEIA – NO FIM TUDO DÁ CERTO, SE NÃO DEU É PORQUE AINDA NÃO CHEGOU O FIM.

Tem um amigo meu que é poeta, e eu, para zombar dele, o chamo de Mario Lata, alusão jocosa a Mario Prata. Certa vez, ele estava lá em Rio das Ostras, numa pousada chamada Bougainville, com os dois filhos, um menino e uma menina ainda pequenos. A garotinha devia ter uns quatro anos e o menino cerca de nove. Ele é divorciado e na ocasião ficava com os filhos em finais de semana alternados. Tinha ido de ônibus para a pousada com as crianças, porque o carro dele estava na oficina. Ele me ligou no sábado logo pela manhã, pedindo para eu dar um jeito de ir encontrar com ele. Estava precisando desesperadamente da minha ajuda.

- O que foi Mario? Você está fazendo o que aí em Rio das Ostras? – Eu perguntei.

- Tive que vir pra cá com as crianças...

- Aconteceu alguma coisa com elas? Alguém ficou doente, se machucou?

- Não Rui, pintou um lance aqui. Você é meu camarada e tem que me ajudar...

- Fala logo o que é. Tem mulher na jogada, não tem?

- Mais que isso Rui. Não dá nem pra dizer como é, pra definir. Quando você chegar aqui você vai compreender o meu desespero. Ah, tem outra! Você pode se dar bem também, ela está com a irmã... não é como ela, mas também não dá pra se dispensar à toa. Você chega antes do meio-dia?

- Calma, Mario! Vou fazer o possível, agora eu fiquei curioso. Tem vaga aí?

- Já reservei pra você, eu sei que posso contar contigo. A sua despesa ficará por minha conta.

Ele é meu amigo há muito tempo e já quebrou o meu galho muitas vezes. Até quando minha mãe era viva e eu tinha que me ausentar por alguns dias por conta das minhas viagens, ele sempre dava um jeito de fazer companhia para ela. Às vezes, até dormia lá em casa quando ela não estava se sentindo bem. O Mario é o tipo de sujeito que vale ouro e a gente tem sempre que fazer o possível para conservar no nosso círculo de amizades, apesar de que para mim ele é muito mais que isso, é como um irmão.

O fato é que ele estava lá na pousada com os dois filhos pequenos e pintou uma garota lá de Guarapari. Ela estava com a irmã. Uma loura e uma morena quase da mesma idade. Ele caiu nas graças da loura. O nome dela? Kelly Cristina. O cara endoidou por ela também. Segundo ele, assim que bateram os olhos um no outro ficou definida a parada, tudo certo e ajustado. Mas, no limiar dos acontecimentos começaram os imprevistos impeditivos e começou a dar tudo errado. Foi aí que ele teve a ideia de pedir a minha ajuda. É claro que eu fui, não iria deixar o meu amigo Mário naquela situação em hipótese alguma. Quando eu cheguei, assim que entrei na pousada eu os vi sentados numa mesa. As crianças vieram correndo ao meu encontro, me chamavam de tio Rui, e eu carreguei os dois no colo até a mesa onde estavam os demais, no caso o Mario, a Kelly e a irmã, que me foi apresentada como Carminha, cujo nome, depois ela me disse, é Maria do Carmo. O Mario, como tínhamos combinado, fingiu surpresa. Lógico, ele não iria cometer a falta de contar para ela que me pediu ajuda para tentar realizar o desejado encontro amoroso. Eram duas lindezas, o Mario tinha razão. A Kelly estava para lá de beldade, era um monumento à mulher brasileira, um espetáculo, nem sobrava nem faltava. Acho que ele estava mais desesperado porque não acreditava que aquilo estava acontecendo com ele. Lembrei-me daquela música das frenéticas, parece que foi feita para ela: “... Eu sei que eu sou bonita e gostosa, e sei que você me olha e me quer...”. Uma garota daquelas, passeando assim, livre, leve e solta, gravitando na sua área de atração... mais do que isso, compactuando com a sua libido, justo quando ele tinha que cuidar das crianças e não podia dar a atenção que ela estava querendo, e cá para nós, merecia, e ele ali só olhando e querendo...

Eu tive que dar razão a ele. Pior é que as crianças, acho percebendo o enredo que estava se armando e a possibilidade de perderem o papel de protagonistas na vidinha de fim de semana do Mario, começaram a solicitar mais a sua atenção. Desse modo, restava aos dois, angustiado casal de namorados, a troca furtiva de beijinhos e abraços disfarçados, contribuindo para atiçar mais o fogo que lhes consumia e fazia com que ficassem quase subindo pelas paredes. A dificuldade assumia o poder de combustível da sedução que contribuía para alimentar o desejo que trabalhava para unir os dois.

Qualquer atenção mais prolongada ao alvo da sua luxúria, provocava vontade de fazer xixi ou metia um cisco no olho dos filhinhos do Mario e outros argumentos e artimanhas pueris, para desgosto da Kelly. O meu papel na história seria tentar, junto com a Carminha, distrair as crianças, para que os pombinhos pudessem ficar um tempinho a sós e dar vazão aos anseios amorosos.

A Carminha já havia se oferecido e tentou passar a noite anterior com as crianças no quarto do Mario, sob o pretexto de contar umas historinhas novas para que elas dormissem. Elas adoraram a ideia, mas não entenderam porque o Mario e a Kelly tinham que ficar no quarto dela, embora a Carminha tenha dito para elas, mas não colou, segundo ela me disse, que o pai estava ensinando para a Kelly o nome das constelações e que eles deveriam saber que as estrelas só aparecem à noite. Mas não teve jeito, caíram na choradeira e a pretensão dos namorados foi por água abaixo.

O Mario me contou que só teve um pequeno tempo de lazer naquela manhã junto com a Kelly, quando a Carminha ficou vigiando os dois enquanto eles brincavam com outras crianças na piscina. Mas foi somente cerca de meia hora de sarro lá na sauna. Por isso ele tinha pedido o meu reforço para tentar distrair os meus “sobrinhos” e dar chance ao Mario de passar alguns momentos a sós com a sua namorada, a noite toda seria o ideal.

Confesso que eu estava com um pouquinho de inveja do meu amigo Mario lata, mas eu estava torcendo para ele conseguir recitar seus poemas para sua musa e se escrever naquelas curvas.

A Carminha também estava querendo que a Kelly se acertasse com ele. Ela me disse que a irmã tinha gamado no meu amigo e ela estava dando a maior força, esperando que não fosse em vão. Falou, também, que a Kelly tinha um namorado, mas era um cara muito chato, um médico metido a machão lá de Guarapari e ela não gostava dele. Bem que ele merecia ser chifrado, apesar de que ela, a Kelly, também já estava a fim de dar o fora nele. Talvez, o Mario fosse o motivo para ela resolver se desligar daquele idiota.

Tudo indicava que iria ficar naquilo mesmo. Coitado do meu amigo. Uma gata daquelas caiu nas mãos dele um fim de semana inteirinho e até aquele momento, só uns beijinhos furtivos e um sarro na sauna, local proibido para crianças.

Aí eu dei a ideia de irmos comer uma pizza na cidade. As crianças aceitaram de imediato e eu vi o sorriso cúmplice entre o casal de namorados, era a chance de acontecer pelo menos uma vez o encontro de amor entre os dois, ávidos um do outro. A Kelly argumentou que não estava se sentindo bem e não estava com fome. A Carminha disse que estava doida para comer pizza e queria ir. Então o Mario, imediatamente disse para os filhos:

- Então, como eu não gosto muito de pizza, vocês vão com o tio Rui e a tia Carminha. Eu vou ficar aqui fazendo companhia pra tia Kelly.

- Então, está combinado – Eu falei, pegando os dois no colo e levando para o caminhão. - Depois da pizza a gente vai tomar sorvete.

- Espera aí que eu vou trocar de roupa. É rapidinho – disse a Carminha.

- Mas não demora que eu estou cheio de fome - eu disse, ligando o motor.

A caminho da pizzaria eu fiquei pensando: “O Mario sempre teve uma sorte danada com mulheres, desde o tempo que a gente era rapaz. Onde quer que ele fosse sempre se dava bem. Nesse particular eu tinha inveja dele. Às vezes, ficava em maus lençóis, quando ainda era casado, por causa do assédio das mulheres. Essa foi a primeira vez que ele me pediu ajuda, mas a garota valia a pena. Ele estava certo em não querer perder a oportunidade de garantir a conquista.

A Carminha disse baixinho perto do meu ouvido:

- Será que vai dar certo? A Kelly está fissuradona nele. Ontem, quando a gente foi dormir, ela ficou falando que podia ser o Mario deitado perto dela no meu lugar, com a perna cabeluda em cima da dela, em vez da minha, lisinha. Pior que ele também parece que está muito a fim dela, coitados...

Acho que a menina ouviu alguma coisa e começou a chorar, dizendo que não queria comer pizza sem o pai dela. Que iria contar para a mãe que ele mandou que eles fossem comer pizza com o tio Rui e ficou com a Kelly.

- E agora? - Disse a Carminha.

- É melhor a gente voltar. – Eu respondi.

Voltamos imediatamente. O Mario teria que me desculpar, não tinha outra saída, do jeito que era sua ex. Ele teria que dar outro jeito. Senão seria encrenca na certa.

Quando chegamos à pousada, assim que e eu desci os dois da boleia, a menina entrou correndo e foi direto para o apartamento deles e ficou batendo na porta, chamando pelo pai.

Quando chegamos perto, a Kelly já estava com ela no colo. Para ela acho que foi mais fácil enfiar o vestido pela cabeça, mesmo sem nada por baixo e ficar cuidando para não dar bandeira. Depois veio o meu prezado amigo Mario, com semblante de preocupação misturado com desolação. Fiz para ele com os braços o sinal característico que não pude fazer nada.

- É Rui, tá difícil! – Ele falou desanimado.

Depois fomos todos comer pizza. O Mario e a Kelly tiveram que se contentar com beijinhos disfarçados. Quando voltamos, ele foi por as crianças para dormir e depois ficamos os quatro conversando até de madrugada. Eles ficaram receosos de voltarem para o quarto e as crianças acordarem. A Carminha chegou a dizer que ela poderia ir dormir com as crianças e eles ficariam no quarto delas, mas tinha medo que acordassem de madrugada e dessem conta da falta do pai. Ela não saberia o que fazer, mas até ela estava ficando ansiosa com a aquela situação e com muita pena dos dois apaixonados.

- Deixa pra lá minha irmã – disse a Kelly. Não é uma noite de amor que vai resolver o nosso problema. Pensando bem, isso pode até piorar a situação. Eu posso ficar gostando mais dele e ele de mim, longe um do outro. O Mario vai embora amanhã... ele vive no Rio, tem a sua vida lá, e a gente mora em Guarapari. Eu não posso sair de lá pra ir morar com ele. Também, eu nem o conheço direito, não podemos fazer planos. A gente conversou sobre isso na hora em que vocês saíram. Nós vamos ficar se falando por telefone e quando der a gente se encontra de novo, quando ele não estiver com as crianças ou mesmo com elas. Eu não fiquei zangada... entendo o problema dele, ele não tem culpa e não é por isso que eu vou deixar de gostar dele.

- E ainda tem o outro empecilho... – disse a Carminha.

- Ele não é empecilho nenhum. O Mario já sabe disso também. Quando a gente voltar para Guarapari eu vou terminar com o namoro. Descobri que tem gente muito mais interessante, às vezes complicado, mas muito melhor. - É fácil adivinhar para quem ela estava olhando.

Confesso que eu fiquei surpreso. Não esperava que ela fosse tão consciente. Mostrou que tinha outras qualidades além da beleza. Talvez fosse, apesar de mais jovem, a mulher ideal para o meu amigo.

No dia seguinte, eu Voltei com o Mario e as crianças para o Rio. A Kelly e a Carminha nos acompanharam um bom tempo, de bicicleta, como Paul Newman e Robert Redford em Butch Cassidy and the Sundance kid, até chegarmos à estrada. Elas ainda ficaram lá em Rio das Ostras. Só iriam embora à noite.

- É... meu grande amigo, dessa vez não deu! Eu estava torcendo muito. Quem sabe vocês voltam a se encontrar ou você vai até lá em Guarapari e a traz contigo? – Eu disse passando o braço em torno do ombro dele.

- Papai - disse a menina -, olha o que a tia Kelly fez pra mim! Mostrou um desenho feito num papel: a caricatura de um rosto feminino onde ela escreveu: “ADOLO OCÊ!” e, também, muitos beijos por todo o papel.

O Mario leu e sorriu, abraçando a filha.

- É... Ela está mesmo apaixonada, hein, garanhão! – Eu comentei.

- Ela também fez uma simpatia pra nós dois. Está guardada na minha carteira – ele falou baixinho só para eu ouvir. – dois pelinhos lá de baixo, um meu e um dela enlaçados. Tem outro par com ela e um comigo. Ela disse que é pra gente não se esquecer um do outro.

Apesar dessa complicada, às vezes engraçada e bonita história de amor, eles nunca mais se encontraram. Os filhos dele já são adultos, mas, volta e meia, ele ainda fala dela. Prova que não esqueceu e marcou muito. Não é à toa... era bonita a danada.