FUSCA ZERO

(À Lucia Cunha que viu esse causo acontecer)

Meu compadre o senhor pode estar certo que o que eu vou lhe contar aconteceu e é a mais pura verdade. Se o senhor quiser confirmar pode perguntar à Lucinha de Samuel do gerador, que ela vai lhe confirmar.

Pois bom, no tempo em que ter um fusca era a maior maravilha do mundo, havia no Agreste um cabra pegador de boi chamado Amaro, que era o fute. Quem tivesse boi brabo, podia trazer que ele derrubava. E naquela época não era como agora não. O cabra tinha que ficar no mourão até a rês sair e então partir atrás dela para derrubar antes que acabasse a pista. Agora não. O cabra já sai com o rabo do bicho preso na mão. Só não derruba mesmo quem é frouxo. Pois bom. Esse Amaro tinha um cavalo, Zumbido era o nome dele, triste do bicho que Zumbido cismasse, ele ia atrás e só sossegava quando o animal estivesse no chão. Quando Amaro estava montado em Zumbido, parecia uma coisa só. Que Deus me livre, mas parecia a imagem do cão. Enquanto não derrubasse o boi, Zumbido não sossegava. Muitas vezes Amaro teve que saltar de cima dele, à galope, porque ele não obedecia ao freio. Teve uma vez que eles ficaram enganchados, cavalo, a rês e Amaro num pé de angico que foi preciso dois pra tirar eles de lá. Pois bom. Nessa época também existia no Recife um construtor de edifícios muito bem quisto por todos, um tal de Dr. Miranda. Tai homem bom. Com ele não tinha bondade. Qualquer um que chegasse, sentava-se à mesa com ele e se não tivesse outro prato, ele dividia o dele com o cabra que chegou. Esse Dr. Miranda, não sei se era engenheiro ou advogado, só sei que era doutor. Quando ele cismasse de ter uma coisa, movia céus e terras para conseguir. Só descansava quando conseguia dizer: isso é meu. E cresceu os olhos pra cima de Zumbido. Pra onde fosse o Dr. Miranda ia. Oferecendo cada vez lances maiores para o cavalo. Até que um dia na vaquejada de Surubim, depois de Amaro ter derrubado todos os bois que por sorteio couberam para ele, o Dr. Miranda, chegou à mesa onde ele tava sentado mais a mulher e um bocado de gente. Sabe como é gente rica, né? Dr. Miranda chegou assim como quem não quer nada e jogou a chaves do fusca em cima da mesa e disse:

- Tai Amaro, troco o meu fusca zerinho em Zumbido. Faço o negócio agora mesmo.

- Dr. Miranda, eu não quero não.

- Rapaz, você é doido?

- Não senhor. Sou pegador de boi e com seu fusca eu não vou poder correr vaquejada.

- Mas é um fusca...

- Exatamente por isso, com um fusca eu não pego boi nenhum.

E pela primeira vez na vida o Dr. Miranda não conseguiu o que queria.

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Este texto foi produzido procurando reproduzir a maneira de falar do pernambucano, nem sempre culta, mas sem dúvida melodiosa.