AAAAI, SEEEEEU GUAAAAAARDA!!!

Ao invés de agora, antigamente filme censurado até os dezoito anos não continha essas cenas avançadas de sexo explícito, não. A maracutaia se dava era na moita, com certa discrição. Num “close-up” ardiloso, jogava-se ali o braço feminino para um canto, na cama ou no sofá, a mão contraindo a palma, dedos se apertando, e uau, você já matava o enigma.

O lado safadinho das fitas pornôs, desta forma, só se revelaria depois. Hoje, mesmo na televisão, e sem o pejo dos casais, a sexolatria corre por conta do telefreguês.

Portanto, trint’anos atrás, olhudo devasso que apreciasse esse gênero de cinema suava para catar uma película que exibisse pega-pega – sem marmelada – de corpos humanos, quero dizer, vale-tudo de sexos opostos.

Certa vez, durante peça mais ousada, em que o ingrediente mor era a motivação erótica, um caso hilariante aconteceu no recinto do falecido Cine Moderno, na Praça do Ferreira. E eu lá, no poleiro do cinema, para testificar a ocorrência, sem a qual jamais lavraria este causo da vida real.

Segundo ainda bem se lembram os de ontem, esse tal Moderno – herdade de seu Luiz Severiano Ribeiro – ficava no canto sul da praça, no coração de Fortaleza. E empoleirava-se ali na rua Major Facundo.

Cabrito ainda verde, dos meus dezoito, vez ou outra, como fazia toda a caboclada contemporânea, eu também tocava caminho para ir assistir a tais safadagens visuais. Então, aos domingos ou não, quase sempre com tabuleta à entrada, o Moderno não relaxava com seu anúncio orgulhoso: LOTAÇÃO ESGOTADA. Pois, assim, já se sabia: o filme era pornô.

Numa tarde, a sessão das três horas totalmente cheia – cheia ainda era pouco, cheiíssima – e eu, lá, vendo as imagens, com olhos redondos, que pareciam duas urupemas. Lá pelas tantas, os jogos de amor na tela. Tudo coisas leves, muito água com açúcar, seja dita a verdade, para as atuais telenovelas de boquinha de noite da Rede Globo.

Apesar da evolução dos atos e fatos, apesar de todas aquelas gatimônias e apalpadelas do casal de artistas, ainda reinava no bojo da casa de diversão um longo e utópico silêncio. Ali estava latente a má-fé do coletivo, à espera torturante de que um só fonema da voz humana se levantasse. E, por isso, algum gaiato, metido a humorista, teria que deixar de se reprimir. E foi o que na hora agá alguém fez.

Dito e feito. Na hora certa, meio àqueles ãhs e ais e uis, com o casal na tela, aos amassos, e, mensurando bem o instante açucarado do silêncio, a plenos pulmões, um camarada encenou, de lá, voz bem esparramada, quebrando a ordem estabelecida. Ele subverteu a calma de campo-santo e, assim, fuzilou bala na sala de projeção:

– Aaaai, seeeeeu guaaaaaada!!!

De supetão, o eco do grito fingido de orgasmo, por molecagem, acendeu a plateia, que explodiu em uníssona gargalhada. E as tochas das moças e rapazes “lanterninhas” se cruzaram no breu do salão. Mas a providência já era tardia.

Fort., 22/11/2008

Gomes da Silveira
Enviado por Gomes da Silveira em 22/11/2008
Reeditado em 22/11/2008
Código do texto: T1297009
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