A Casa - Degraus que Rangem

Quando estou sozinho em casa, normalmente procuro algo útil para fazer, mesmo que seja pegar a vassoura e varrer a casa. Foi um dia desses que percebi que estar sozinho está mais para fantasia do que realidade.

Cheguei em casa, abri a porta, chamei meus pais e minha irmã... Não havia ninguém. Tranqüilamente coloquei a pasta perto da mesa da sala subi as escadas, que sempre rangem de forma magnificamente barulhenta e fui em direção ao meu quarto tirar a roupa para tomar um banho. Enquanto isso coloquei uma música bem light para relaxar a tensão do trabalho daquele dia. Um banho gelado é tudo de bom! Na segunda música que tocava, escutei uma porta batendo fortemente. “Não lembro de ter visto alguma porta aberta” pensei. Quando meus pais saem, normalmente revistam a casa e trancam, porque o nosso setor é muito visado pelos ladrões. Fiquei pensativo.

Terminei meu banho fui para o meu quarto. Coloquei um pijama e fiquei por ali mesmo. Mas não estava agüentando de tanta tensão e nervosismo por causa daquele barulho e, por isso, resolvi revistar a casa para poder descobrir que porta estava aberta...

Em cima tem poucas portas e nenhuma estava aberta. Desci as escadas. Todas trancadas. Não havia lógica a não ser que não tenha sido uma porta que bateu, podia ter sido algo que caiu no chão. Fiquei mais tranqüilo. Decidi fazer um lanche enquanto esperava meus pais... Pão, requeijão, presunto e queijo. Algo bem rápido.

Sentei-me à mesa da sala e mandei ver. Até que ouvi a escada ranger. Eram passos, como se estivesse descendo a escada. O requeijão grudou no céu da boca e parecia cola. Olhei para a escada na esperança de ver no mínimo um ladrão e nada. Consegui enxergar um vulto que parecia fumaça... Poderia ser a lente dos meus óculos embaçada.

A nossa imaginação inventa coisas que não existem ou muitas vezes cria ilusões e libera adrenalina em momentos que nos ajudam a ficar mais esperto, na verdade é como tomar um litro de café preto. Meus olhos nem piscavam, não sabia se estava arrepiado de frio ou de medo mesmo...

Limpei meus óculos e não vi mais nada. Passei o dedo no céu da boca e tirei o requeijão traiçoeiro. Ainda bem que eu estava em casa... Será?

Terminei de comer limpei e lavei o prato. Estava meio nervoso, resolvi dar uma olhada nas papeladas que eu havia trazido do trabalho, mas foi a mesma coisa de tentar estudar em um estádio de futebol. Meu cérebro estava trabalhando em uma velocidade incrível, ficava relembrando o vulto e tentando dar uma forma humana àquilo. Resolvi ligar o computador.

Fui para a sala de estudo onde estava o computador, liguei e fiquei aguardando abrir a tela inicial. Que coisa demorada... Novamente escuto a escada ranger e pelo barulho parecia estar subindo as escadas. Melhor assim, pois isso fica bem longe de mim. Mas a escada lá de casa tem um degrau chato que range mais que os outros e com isso essa escada começou a ranger sem parar como se alguém estivesse pisando ou pulando o tempo inteiro por lá.

Comecei a ficar irritado com aquilo e parecia que era isso que a coisa gostaria que acontecesse.

Peguei o telefone e liguei para o celular de minha mãe. “Este telefone está fora da área...” Tentei de novo. “Est...” Depois no celular do meu pai. “Este telefone encontra-se des...”. Agora estava agoniado, fui correndo para o banheiro da sala e lavei o rosto.

O que ia adiantar? Eu estava escutando e não vendo...

Quanto mais eu ficava desesperado mais o barulho ia ficando irritante.

Já estava para pegar a chave e sair de casa quando o barulho parou.

Silêncio mortal...

Agora eu escutava o barulho do meu computador que estava razoavelmente longe... Resolvi voltar para lá e esquecer o barulho da escada, mesmo porque eu não queria subir lá enquanto meus pais não chegassem. Puxei a cadeira e sentei... Abri uma pasta de mp3 e coloquei as músicas mais calmas que eu tenho para rodar bem baixinho, mas audível. Novamente na segunda música escutei a porta atrás de mim, ser levemente empurrada... Eu não estava sozinho, não tinha mais dúvida... Fechei os olhos com muita força, acho até que saiu lágrimas.

Senti algo se encostar a meu ombro, algo macio, frio, gelado e difícil de descrever. Calafrios.

Minha espinha estava até dura. Não havia como evitar abrir os olhos para ver o que estava me perturbando. Com certeza não seria nada apenas um vento.

Devagar abri os olhos...

Fui olhando para meu ombro e dessa vez eu vi uma mão.

Gritei.

Encaro nos olhos e vejo a minha irmã que está com uma cara de riso...

- Te assustei...

Não xinguei porque estava dando graças a Deus de ter uma companhia.

- Está aqui há muito tempo?

- Acabei de chegar com a minha mãe e meu pai!

- Você sabe o porquê que eles não levaram celular?

- Levaram, mas o celular do meu pai acabou a bateria e a da minha mãe estava ligado, mas não tocou... Deve ter ficado louco.

Não passou cinco minutos e o movimento da casa já era normal, com a minha mãe subindo a escada e meu pai na cozinha fazendo uma boquinha.

Uma coisa é certa... Em momento nenhum eu estava sozinho... Imaginação?

Ferrachi Abdtzen
Enviado por Ferrachi Abdtzen em 06/12/2008
Reeditado em 07/12/2008
Código do texto: T1321812
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