"Hoje eu vim para falar de mulheres lindas"

Hoje eu vim para falar de mulheres lindas

Elsa B. Pithan

Meu vizinho Maneca chegou ontem do interior e hoje veio bater um papo comigo. Foi sentando num banco porque em cadeira de praia acomodar 105 kg é um grande risco, pode desabar. Chegou me abraçando e dizendo:

“Elsa, eu hoje vim para falar de mulheres lindas! Como tem mulher linda nesta praia, Elsa, e por este mundo afora, mas antes de falar em mulheres lindas deixa eu te contar o que aconteceu comigo, mas tudo bem! Eu vinha vindo para cá, viagem boa, tudo calmo até o túnel grande, eu sofro de claustrofobia, mas tudo bem, respirei fundo e saímos do túnel grande e logo adiante entramos no túnel pequeno. Um carro branco na minha frente, sei lá que marca, e eu atrás seguindo ele. Saímos do túnel e de repente eu vi o carro fazer um giro e se afastar pela esquerda, eu torci o guidon para a direita e senti um impacto e um chiado na porta da frente do lado direito. Aí, torci para a esquerda e senti outro impacto na porta de trás do lado direito. Aí, parecia que eu estava dançando com o diabo que me atirava pra cá e pra lá e chiava e pulava e eu na noite escura não enxergava mais a pista e nem os faróis dos outros carros. Tudo girava e eu torcendo o guidon nem sei pra onde, mas tudo bem, ah, mas eu vim falar das mulheres lindas. Mas deixa eu te contar, de repente o carro parou. Não sei se fui eu ou o diabo que parou ele e encostou perto do guard-rail. Desci do carro pra ver aonde eu estava. Eu estava no acostamento. Dei uma olhada ao redor do carro, vi o estrago na lataria e o farol direito quebrado. Entrei no carro e dei o arranque mas o carro não arrancava. Pensei, quebrou alguma droga. Vou ter que passar a noite na estrada. Há trinta anos que venho para a praia e nunca me aconteceu nada, mas tudo bem. Arrumei os pacotes do supermercado que com a ‘dança’ caíram do banco e passei o meu casaco e uma maleta para o banco de trás e tentei o arranque de novo. Aí, senti algo de baixo do meu pé. Eram dois CDs do Benny Goodmann que haviam caído bem de baixo do arranque. Tirei eles dali e tentei arrancar de novo. Pegou, e vim embora com uma dor, do meu ombro esquerdo até o cotovelo, mas tudo bem. Olha como ficou o meu bíceps de ontem à noite pra hoje.” E mostrou-me uma mancha arroxeada que tomava conta do braço. “Ah, mas tudo bem, eu vim falar de mulheres lindas mas vou querer um pouco daquela arnica que me deste no ano passado. E olha aqui, o meu dedão com esta unha encravada! Ninguém quis me tirar esse calo e nem cortar a unha que já esta até dentro do dedo. Vou ter que procurar um médico.”

De fato o dedão estava avermelhado, inchado e parecia inflamado. “Mas eu vim para falar de mulheres lindas.” Continuou ele, “E até moços também. A juventude é que é bela, Elsa! Por isso é que eu vim falar de mulheres lindas.” Dei a arnica no álcool e ele saiu me dizendo: “Vou na padaria. Amanhã eu volto para continuar falando de mulheres lindas porque pra ouvir desgraceiras, é só ligar a TV, mas tudo bem. Elsa, obrigado pela arnica, tchau!”

O meu amigo Maneca é assim.