O matuto global

Diz-se que era um homem carrancudo, de feição hostil e nada simpático. Preferiam tudo a ter que trocarem uma só conversa com ele. Seu Joaquim da mandioca era, sem dúvida alguma, o mais famoso habitante de Rio Gordo.

Tanto se ouvia dele que pouco se sabia de fato. O casmurro tinha lá suas esquisitices como todo mundo, mas, no fundo era normal. Seu espírito arredio talvez se explique pela fauna de papagaios que tinha nas costas, ou pela hérnia de disco. Sem contar a questão renal. Todo dia um sacrilégio para tirar a santa água do joelho, pois, seus rins pareciam uma pedreira. Numa coisa todo mundo concordara. Ficava só pela continua e constante crise de flatos que o seguiam. Impossível esquecer Hiroshima.

Elogios a parte, certa feita a pacatíssima comarca de Rio Gordo, receberia a visita do governador do estado que passaria ali pra inaugurar mais uma das tantas casas aqüíferas – locais onde o povo dali criava os peixes – de exportação. Ao menos pra uma coisa Rio Gordo tinha que servir, não é? Mas, não era a visita de um homem que nunca vira que deixara seu Joaquim multi confuso. Desde que ganhara um rádio de Perneteu, seu neto do meio, começou a pirar com uma tal de globalização, palavra essa por demais ouvida naqueles dias próximas a chegado do seu dotô das coisa fina, tal qual Joaquim chamara-o.

Para comemorar em grande estilo, como todo bom gaucho que se preza, o churrasco correia solto. Foram então a chacrinha Boemia encomendar a tal famosa mandioca. Quiçá mais conhecida que o próprio Joaquim.

Ricardo Linhares, o finérrimo organizador da chegada, diz:

- Tarde Joquim. Trouxe cá o caminhão da prefeitura. Preciso levá toda sua produção. Quero ver gente no hospital de tanto comê.

Nada disse Joaquim, levantou apenas um de daquelas montras sombracelhas cerradas e cafifou consigo. “É hoje que tiro o pé da lama”. Deu aquela puxada no peito cuspiu longe. Rapidamente tratou de providenciar “a encomenda do home”. Mas, na hora do vamo vê:

- 700 real? Tem alguma coisa muito disistranha aqui, cê não acha?

- Uh, homem de Deus. Esqueci de lhe lertá. O preço da mandioca caiu na bolsa. Por isso baratiô a sua também. Lei da oferta e da procura. Cê não sabe? – procurava explicar o finérrimo.

- Que raio de lei é essa? Não ouvi o presidente falar de lei nenhuma não. E se caiu alguma coisa o culpa não é minha. Quero ver cair é o triplo disso aqui agora na parma da minha mãos agora memo.

Em meio a tensão, o secretário tenta explicar ao insigne, que ali estara por consideração e fama de sua plantação. Mas que nada podia fazer quanto o preço. Era pegar os setecentos contos ou mandava descarregar a carga.

- Mundo global é assim Joquim. Em que mundo você vive? Pra que aquele bocudo do Linhares tinha que abrí a boca. Joaquim com a grana já em mãos correu pra sala e já saiu dando tiro pro alto. Puto da vida como estava com a situação, ainda vem o cabra e lembra-o dessa zica de globalização.

Que sufoco os rapazes passaram. Por quase não levaram chumbo grosso. Aquilo foi à saída do mosquito pro Joaquim, o fim da picada. Passou reclamando consigo pelos dias que se seguiam até a chegada do Dr. Mântonolo.

Ele não resistiu à tentação. Pegou sua lambrabeta, modelo AC. Sabe lá Deus o ano e partiu pra cidade no dia exato para assistir o discurso oficial da reinauguração Casa Magna, a mais famosa dos criames.

- Senhoras e senhores. Povo de Rio Gordo. Hoje é uma honra para nosso estado estar aqui. Hoje que Rio Gordo deixa de ser meio esquecida para entrar para os anais da história. Hoje que vamos caminhar para globalizá-la. A economia de mercado clama por Rio Gordo. Viva!!!

Um show de aplausos caiu sobre o governador. Mas, ouve-se uma voz;

- Senhor não tem vergonha não? Viva uns cambaus tudo isso. Essa tal de globalização só ferra a vida da gente. Minha grande mandioca tive que socar no...

- Calma meu senhor, calma.

- socar tudo no caminhão da prefeitura. Calma ocês tudo. A bolsa da mulher do bunitim cai e eu pago o pato. Cêis regula uma lei e nem comunica a ninguém e pede-me calma?

- Oh! Unissono. Não pelas eloqüentes e até bem colocadas palavras de seu Joaquim, mas, pelo flato que acabara de soltar. Não houve discurso que resistisse. Ficara apenas Joaquim e umas centenas de peixes boiando no aquário.

Dias depois, sem explicações e ainda mal visto na cidade como perturbador. Os negócios que não iam tão bem pioraram. Faliu. Foi então que resolveu aceitar o convite de Manolo Diaz, seu compadre de outros tempos e mudou-se para fronteira.

- Quem te viu. Quem te vê em Joaquim – Dizia dona Zumira de boquinha aberta e murcha, como sempre. Louca pra dar o golpe na terceira idade.

Ele nada respondera. Prosperara com El Paraguay vendendo bugigangas da China e de outros locais mais. O dinheiro ajudou na aparência. Conteve o mal humor. Entretanto continuava burro como uma porta inglesa, vindo a falecer tempos depois.

Para surpresa de todos no testamento que deixou tudo pra Perneteu dizia: Viajado fui já ao fim da vida. Milhorei um cado bom. Confesso fui meio diferente. Aquele seu radim mudô minha vida. Mas, acate um pedido ultimo meu. Se souber Perneteu, explique pros meus netos pra fugam dessa globalização, das bolsas do povo chique e das leis que eles criam. Pois isso quase me pirou. Mas, como sou esperto descobri que tudo isso não existe. É só meio sei lá o que... Ah, quando vir pra cá, não se esqueça de me procurar, preciso saber: O que foi a...... deixa pra pra lá....

Michael Wendder
Enviado por Michael Wendder em 29/05/2009
Código do texto: T1622164
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