EITA PESCARIA E CAÇADA BOA!

Eita PESCARIA e CAÇADA BOA!

No ano de 1972, tinha à época 12 anos, era um pré-adolescente, porém acredito que não problemático como os que temos hoje e vimos hoje em dia.

Meu pai tinha um jipe (Jeep), naqueles dos moldes do exército, o qual tinha o nome de “oreinha”, pois seus paralamas eram retilíneos e tinham de cada lado uma peça de madeira, pareciam duas orelhas.

Certo dia fomos a uma pescaria na Fazenda Carié – pertencente ao então Coronel Chico Heráclito – figura pernambucana, falecido em 1974 aos 89 anos de idade, que sentenciava sobre o ato de se vender: - "Não existe cabeça dura para pancada e dinheiro. Tudo depende da quantidade..."

E é de autoria do mesmo Chico Heráclito falando sobre dinheiro: - "Só não faz chover, mas ameaça o tempo...",

E tem outra melhor, “ Cacete e dinheiro, só não resolve problema, se for pouco...”

Tal fazenda fica nos rincões da Vila de Moxotó pertencente a Cidade de Itaiba, localizada entre os municípios de Buíque, Tupanatinga, Ibmirim e Aguas Belas, essa área hoje é parte integrante do Parque Nacional do Vale do Catimbau.

Bom, íamos em dois carros, o “oreinha” e outro jeep de igual modelo, pelas estradas vicinais, cortando os entrelaces dos municípios, cruzando leitos de riachos e rios secos, pois a região é tórrida mesmo.

No nosso “oreinha” estava a turma da pescaria, composta por meu pai João Gago, Natalício Caetano, Wellington de Bida, Compadre Cícero e Ailton Caetano filho de Natalício.

No outro ia a turma da caçada, Zé Cavavá, Zuca, Compadre Dedé de Vigário, Zé Preto e Toinho.

No aperto do jeep, ainda ia os dois cachorros “Jacaré e Fubica”.

Quando estávamos próximos da Fazenda, faltando ainda umas três léguas (18 Km), o danado do “oreinha” foi acometido de “entupimento das vias de abastecimento”, uns moleques colocaram uma bucha de algodão (daquelas que os mecânicos limpam as mãos) dentro do tanque de gasolina, e haja entupimento.

O sol estava a pino, era umas treze horas (uma da tarde), um calor de rachar, os cantis de água foram logo desabastecidos, não havia um pé de arvore para dar sombra. Pense em um sofrimento, a fome foi aumentando, resumindo, tiramos o tanque de combustível, fizemos a limpeza, recolocamos e continuamos a viagem.

Chegamos na sede da Fazenda pelas quinze horas (três da tarde) e lá, havia um Barracão, onde a peãozada faziam as compras, tomavam pinga, se endividavam mais uma vez, e voltavam para casa.

Bom, chegamos no BARRACÃO da Fazenda, e ali, adentramos na ânsia de matarmos a fome e a sede.

O Barracão era uma construção mista de alvenaria e taipa, chão de barro batido, com três lances de prateleiras, onde haviam várias garrafas de aguardente de pinga da marca Caranguejo, Serra Grande e Mocotolina.

Havia também, varias garrafas de refrigerantes CAJUINA, vinho Gengibre Indiano, alguns pacotes de bolachas secas, rapadura, umas latas de óleo de salada, um balde de sardinhas Militriz (conhecidas no Nordeste por “espanta vizinhos”), em cima do balcão, tendo este uma divisória no meio com um visor de vidro, onde adormeciam vários pães há longos dias.

Em um lado da sala, na frente do balcão, sobre um estrado de madeira, tinha uns sacos de cereais – feijão, milho, farinha de mandioca grossa, xerém, e andando por cima destes, um gato velho e magro se espreguiçando como se fosse o dono do pedaço.

Lá no outro canto da sala, no lado oposto do estrado de cereais, havia uma jarra cheia d’água vinda de um cacimbão cavado no terreiro, com mais ou menos vinte metros de fundura, de onde minava uma água azulzinha proveniente do rico solo calcário da região.

Porém, no calor causticante do sertão do Moxotó, nada paira sem esquentar.

Geladeira era coisa de outro mundo, nem das movidas a querosene se tinham noticias por aquelas bandas. Porém, esse papel era cumprido pela jarra de barro.

Se quisesse tomar alguma coisa “fria” era necessário encomendar ao gerente do barracão, para que este, na noite anterior, colocasse quantas garrafas pedidas, dentro ou no pé da jarra.

Pedimos uns pães, que foram logo servidos em cima de uma folha de papel de embrulho, coisa usual na época. Acompanhando de umas cajuínas que pelo calor, estas já estavam bem quente. Comemos os pães, cada mordida era acompanhada por um gole da cajuína quente, repetimos esta operação por duas, três, quatro ... ATENÇÂO OLHA O RETORNO GENTE....!!!

Em fim, chegamos na beira do Açude do Carié, que era uma barragem encravada e cavada num paredão de pedra, esculpido pelo braço dos desvalidos da sorte e dos procurados pela polícia que iam pedir guarida nas terras do “Coroné Chico”.

O sol já estava sendo tomado pelo crepúsculo noturno, a noite se tornou escura sem a claridade da lua.

Armamos o acampamento dentro de uma cocheira grande, com uns cinquenta metros de comprimento, com um corredor no centro que tinha uns cinco metros de largura, toda ladrilhada com pedras de escalpe e de cada lado havia uma carreira de cochos esculpidos na pedra, era uma obra de arte.

No meio da cocheira, bem próximo a nosso acampamento, se encontravam dois “bodes” da raça Anglo-Nubiano, eram grandes e faziam jus ao nome de “pai de chiqueiro”, pois fediam tanto que ainda hoje sinto aquele “aroma” passar na minha mente.

Acendemos uma fogueira, preparamos um café, enquanto isso, a turma da caçada já estavam se preparando para uma batida na noite, onde iriam em busca de caçar – tatu, peba, cutia, mocó...etc, pois tinha uma imensa variedade e quantidade de animais, até o advento do IBAMA.

Natalício Caetano, era um gozador, brincalhão, divertido. Nós tínhamos que ter cuidado com suas brincadeiras, pois sempre que estavam cozinhando alguma coisa, ele chegava com algum ingrediente de ultima hora (podia ser folha de qualquer árvore, qualquer fruta a exemplo de umbu, araçá...etc) e colocava dentro da panela. A nós competia verificar se não havia alguma surpresa “ingrendientista” dentro do cozido.

Pois bem, Caetano, inventou de ir com o pessoal da caçada, se dizendo caçador ( fazia uma porção de anos que nos conhecíamos e ele não tinha essa qualidade).

Zé Cavavá soltou Jacaré e Fubica, que de pronto se embrenharam na caatinga, sob latidos e correrias, os caçadores atrás e Caetano também.

Zé Cavavá tinha uma lanterna (era a única da caçada) com uma luminosidade de espantar formiga, que só iluminava mal os pés.

Foi quando, já longe do acampamento, se ouviu os cachorros acuarem um bicho, que se entocou em oco de um tronco de um pé de Umburana, formado pelo enlace de duas raízes da mesma árvore.

Caetano foi o primeiro a chegar junto aos cachorros, em seguida Zé Cavavá com sua lanterna, os outros logo se juntaram ao grupo.

Zé Cavavá disse “...Caetano tu visse o bicho...”

Caetano respondeu “...vi, é um bicho grande e entrou no oco do pau..”

Zé Cavavá – “... deixa eu ver...” e de pronto apontou a lanterna com sua luz turva para dentro do oco da Umburana, porém não viu nada.

E disse, ”... Caetano tu ta mentindo... aí num tem nada não..” ,

Porém Jacaré e Fubica não davam sossego, ai Natalício “Caetano”... meteu a mão dentro do oco do pau e deu um grito...” Tem um bicho sim, e é uma cobra... e.... e... e.... ela me mordeu...” “...Tô ficando cego...”

E já foi logo caindo para trás, na escuridão da noite, os meninos... Zuca, Compadre Dedé de Vigário, Zé Preto e Toinho. Começaram a rir e a rolarem pelo chão.

Mas, Caetano continuava dizendo, “...Tô cego... Tô cego minha gente... num tô enxergando nada... meu dedo ta sangrando, foi uma cascavel... foi uma jararaca... foi uma....salamanta..... foiiiiii

E Desmaiou.

Os meninos, pararam de rir, colocaram Caetano nas costa...pense num cabrinha pesado, e tombaram ele para o acampamento.

Ao chegarem perto do acampamento, foram logo gritando “...acode seu João Gago... Natalício Caetano foi mordido por uma cobra...”

Isso já era umas vinte e três horas (onze da noite) ninguém dormiu mais, foram chamar o gerente do barracão para saber se tinha algum remédio para picada de cobra.

De pronto esse fez umas perguntas, tacou uma cinta no braço de Caetano, fez umas sugadas no dedo, cuspindo fora “...para tirar o veneno...”, porém disse.

O Gerente disse ...”....Tem que chamar seu Ferreira... “

Quem é seu Ferreira...perguntou meu Pai.

Há seu João Gago, Seu Ferreira é o véio curador, ele cura os bichos do Coroné Chico, quando são mordido por serpente... reza de tudo e... é bom... e tem uma correia de veado curada... eu vou buscá-lo ”

Voltamos para o acampamento, lá na cocheia, esperamos por uma meia hora e chegou Seu Ferreira.

Seu Ferreira, um velho octogenário, barbudo, com vários rosários do “Padin Ciço” no pescoço, roupa de Caki Floriano (tipo de tecido grosso), cheirando a suor, fumaça, grude, fumo, babando e fumando um cachimbo. Suas unhas pareciam que desde o nascimento não via tesoura muito menos limpeza.

Contudo era um homem observador e carismático.

“Bá noite sinhores... toss...toss. toss.”

“Cadê o ômi mordido... dêxe vê meu fio... tenha fé em Deus..”

Caetano, continuava cego e dizendo “... num to vendo nada... vou morrer... dessa num escapo... tô ficando com o braço duro....”

- Vivíamos um misto de preocupação e de risadagem... pois ninguem aguentava a cena.

Seu Ferreira, se aproximou de Caetano e começou a rezar....

“Pai nosso;... Credo;... Ave Maria; tudo em voz alta.

Daí... passou a rezar em silencio, com um ramo de pinhão roxo na mão, prá lá e prá cá, fazendo sempre o sinal da cruz.

Parou.... meditou.... e disse...

TEM QUE ABRIR A BOCA SEU CAITANO, Prá mode EU CUSPIR Treis VEZ DENTRO... pois sou curado de meu PADIN CIÇO.

Eu vi Natalicio Caetano, refugar, mas por insistência de todos foi feito o desatino.

Seu Ferreira, assim procedeu. Deu TRÊS cusparadas, que mesmo na escuridão da noite, quebrada pelas chamas da fogueira, ouvimos os estalos, quebrando o silencio que ocorreu naquele instante, pois passava da meia noite.

Natalício Caetano, de pronto... após o remédio chegar nas suas “papilas gustativas” disse:

“...TÔ VENDO.... TÔ VENDO... É MILAGRE...TÔ VENDO.... MEU BRAÇO JÁ AMOLECEU...”

Foi uma risadagem da maior monta que já presenciei.

Acalmados os ânimos, oferecemos um cafezinho ao Seu Ferreira, que disse... ô meninos... ôces num tem uma pinguinha não. Tal pergunta foi uma festa... todos partiram para o isopor, e de lá veio em meio ao tumulto... uma garrafa da cana Serra Grande que foi logo presenteada a Seu Ferreira.

Nisso Wellington já havia feito a primeira despesca nas redes de malha, e com ele veio umas traíras bonitas e grandes, coisa de fazer inveja a muitos pescadores.

Ailton filho de Natalicio Caetano, foi logo limpando duas, três, passando sal, pondo na assadeira e fritando. Nisso seu Ferreira falou.

Prá cura ficar bem feita, na fé de meu Padin Ciço, tem que pegar e matar a serpente qui fez isso.

Esperamos o amanhecer, logo nos primeiros clarões, partiu em direção ao local da tragédia.. Zé Preto.. Zuca, Compadre Dedé de Vigário, Zé Preto, Toinho, João Gago, Wellington, Eu e Natalício Caetano, claro, ele era o maior interessado em ver e matar a serpente.

Ao chegarmos na Umburana, olhamos para o tronco, vimos o oco, e os meninos começaram a cortá-la com o machado.

Como a madeira da Umburana é macia, com alguns golpes, sem sacrifício, ela tombou, pois seu caule era todo oco, corroído pelos cupins.

E.... Todos aguardavam, preparados com armas e cacetes, a maldita e perigosa serpente, todos imaginavam que seria uma salamanta ou jararaca, pois se fosse uma cascavel o seu guizo denunciaria.

Ao tombar da Umburana... mostrando seu tronco todo oco, saiu de lá... uma coitada gambá-de-orelha-branca (Didelphis albiventris -espécie de marsupial existente em todo território brasileiro), mãe de família, com quatro filhotinhos agarrados em seu corpo.

Foi ai que Natalício Caetano, teve motivos suficientes para passar a pescaria toda, em estado de embriagues solidária, se maldizendo e agüentando a mangação da turma.

Risonaldo Costa

Risonaldo Costa
Enviado por Risonaldo Costa em 19/06/2009
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