E DEU FININHA NOS DOIS

Até que vocês podem achar careta este marruá de escriba vir aqui, sem que nem para quê, e misturar palestra acadêmica com disenteria. Mas se o fato foi acontecido, bem na tábua do olho do freguês, então por que ter eu que camuflar a representação do seu verdadeiramente real?

Ora, pois não!... A verdade – ainda que doendo nos queixos de um – deve receber papeleta de entrada mesmo que seja nas sessões de horas incertas da mentira mais deslavada e contada com o aprumo de um pai-nosso.

Cabra é cabra, bode é bode

E boi vai ser sempre boi,

Porém vejam lá se pode

Negar-se um c a u s o que foi!

O primeiro acontecido, não, que não vi. É por ouvir dizer. Contudo, verídico e muito verdadeiro. Foi o próprio cidadão vitimado e personagem central do drama quem espalhou pelos cerros da serra, sem pejo nem escrúpulo algum. Ele era um sujeito esbagaçado de desinibido, coisa de ser um ricaço sitiante, senhor de dois latifúndios, velhusco sem papas na língua, lá das parentalhas de minha mãe.

No segundo episódio, para mim um sucesso já pelo inusitado da coisa presenciada, ah, neste caso, sim, eu vi com meus benditos olhos o vexame por que um palestrante de Educação passou. O desditoso estava diante de uma plateia seleta, de atentos ouvidos, alguns dos quis oiças com currículos forrados de títulos e também de tempo envelhecidas.

O fato é que ambos os camaradas nos quais, aqui, meto o meu bico estiveram na berlinda de uma coisa chata, ambos passaram pela saia justa de uma diarreia bem safadinha. Ora se não foi!... E, sem potoca nenhuma, que não gosto de enfeites de peta nas instâncias da vida real, deu fininha nos dois, sim senhores, sem dúvida alguma. Fininha em instantes chatos e inexatos.

Mas prego logo o aviso: de jeito nenhum, não era. Por ser um J. B., na primeira cena, não se tratava de João Batista. Não era João Batista. Nem tampouco era José Bento, aquele do “Sítio do Pica-Pau Amarelo”. Simplesmente, apenas, um sitiante abastado e contraparente de minha mãe, cuja certíssima graça era outra muito diversa.

Pois vinha esse um vindo de Redenção para Fortaleza, onde cá possuía filhas, dois genros bem de vida e porção de netos metidos a sebo, todos aspirantes a ter anéis de doutor. Bem aboletado na conversa, J. B. viajava ao lado do próprio dono da empresa de ônibus. E eis que, de repente, uma dor fina ferroou-lhe na barriga, um incômodo daqueles que não diz para seu ninguém – “espere aí, só por um instante”. Com toda fé de verdade, bateu na pança de J. B. foi o indício da trovoada que o curitibano chama de “piriri” e que, genericamente, no Brasil e acho que também em Portugal, é dita soltura de ventre.

Naqueles tempos de atraso, dias lá do arco-da-velha, ônibus – feito de carroçaria de caminhão – ainda não tinha o bem-bom do “quartinho WC”. Aí J. B., aperreado, em plena estrada deserta, soltou o eco da goela: “Zé Guilherme, manda parar o diacho desse carro, que vai me dar uma caganeira dos diabos!” Aí foi quando o (quase) ônibus parou e J. B. se foi mato a dentro, de calças na mão, sem cerimônia alguma. É... Foi fazer o serviço dele, lá por trás de uma moitinha de mofumbo, vassourinha, ou sei lá se não era marmeleiro. Na volta gloriosa do velhote desbocado, o povo do lotação se ria, e ria que ria, às bandeiras despregadas. E J. B., firme, satisfeito da vida, sem inibição nem nada, deu bolas ao zé-povinho, mas arriando da mala da língua reação assim: “– Vocês não c..., não, seus filhos de uma égua?”

Já o acontecido de número dois, este eu vi com meus olhos. Acreditem. O professor conferencista – palestrante habilidoso, quando desabotoava o verbo – ia dissertando Jean Piaget, Johann Pestalozzi, Carl Rogers, Paulo Freire e outros cobrões da Pedagogia clássica e moderna, quando, também, que nem o outro, zás, o homem levantou-se de chofre e fuzilou em alto e bom som, na cara da professora Laura Moreira, que Deus a tenha – “onde tem, aqui, um banheiro?”

Apontado o rumo do quartinho, o mestre, palestrante de fama e escama, sequer sem pedir licença, avançou como soldado em ataque, no f r o n t, saindo em desabalada. Demorou-se um tempão danado, claro que tirando do aperto o ventre lá dele. O auditório da associação de educadores fazia aquele silêncio de velório, fingindo-se todo de educadinho, apesar de o momento reivindicar a coisa risível. Mas não. O mestre, militante de grande universidade particular, que atendia pelo nome L., voltou muito fagueiro e a erudição do gajo teve prosseguimento. Ora, e por que iria ele, o conferencista L., depois de servir-se a gosto, volver ao seu ofício sem fazer cara bonita?

Fort., 24 de junho de 2009.

Gomes da Silveira
Enviado por Gomes da Silveira em 24/06/2009
Reeditado em 24/06/2009
Código do texto: T1665677
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