ÚLTIMA PESCARIA

Laurindo sempre gostou de pescar.

Sabia usar com maestria a cassueira, a rede de arrasto, a tarrafa, o anzol solitário, em parangolé ou espinhel, molinete, garrafa ou varinha de taquara.

Só voltava para casa quando o pescado garantisse seu alimento e que, com a venda do excedente, pudesse comprar a garrafa de aguardente que bebia só, saboreando os goles pequenos até tarde da noite.

Nesse dia a maré tinha sido generosa. Vieram mais de vinte quilos de tainha num único arrastão. Ficou com as três maiores e vendeu o resto na colônia de pescadores.

Depois que estendeu a rede para secar, comprou a aguardente e com a cambada numa mão e a garrafa na outra foi para casa preparar o caldo de tainha. Os animais já haviam sido eviscerados na beira mar. Só teve trabalho de cortar o tempero verde e atiçar o fogo que ainda estava com algumas brasas remanescentes do café da manhã.

A pescaria tinha sido muito rápida mesmo. Apenas um lance e todos aqueles peixes de uma só vez. Para que continuar?

Quando a panela começou a ferver, Laurindo colocou os pedaços de peixe para cozinhar, trancou a porta para evitar intrusos, e tomou um gole generoso de aguardente que lhe queimou o estômago, e se espalhou como brasa líquida por sua barriga.

Experimentou o sal.

No ponto.

Mais quinze ou vinte minutos e o caldo estaria pronto, colocou farinha molhada no prato e tomou outro gole de aguardente enquanto o tempo passava lentamente.

Despejou algumas conchas do caldo fervendo, contendo muitos pedaços de peixe, por cima da farinha para fazer o mingau ralo.

Colocou uma cabeça bem grande no meio do prato e manejando a colher de alumínio, forçou para deslocar os ossos, para não ver os olhos fixos do peixe lhe observando no meio do vapor.

Tomou várias colheradas daquele mingau revigorante.

Colocou na boca, uma das bandas da cabeça.

Estava quente, muito quente. Tentou engolir um pouco, segurando os ossos nos cacos dos dentes que ainda lhe restavam.

O osso do opérculo cravou na garganta.

Tentou cuspir.

Nada.

Tentou engolir.

Nada.

O ar já lhe faltava.

Engasgado, tossiu com força.

Tentou deslocar o osso com os dedos, mas no desespero só conseguiu cravar ainda mais.

Um jorro de sangue lhe brotou pelo canto da boca e obstruiu o que restava da passagem do ar.

O dia escureceu num instante.

Parou de respirar...