O DEFUNTO QUE SORRIU!

Em uma das minhas andanças pelos interiores do meu Nordeste, de pescaria em pescaria, pois assumo que sou bom pescador, não mentiroso, porém cheio de “causos”, assim igualzinho a biblioteca popular.

Certo dia encontrávamos na beira de um açude, lá pelos confins desse nosso grandioso Sertão Nordestino. E como sempre, ao redor da fogueira depois de arrumado o rancho, já postas as redes de malhas num local da represa, esperando o peixe malhar, e também amanhecer o dia, pois já passava das duas da matina.

A equipe de sempre, velhos amigos de pescarias, apesar da minha pouca idade em relação aos outros, tínhamos o conceito de bom pescador, pois ainda hoje busco zelar pelo artifício.

De pinga em pinga, gole em gole, conversa em conversa, veio a tona a história do DEFUNTO QUE SORRIU.

O fato deu-se no interior de uma cidade, pois por ética, vou economizar seu topónimo e descrever a situação.

Achava-se prestes a bater as botas um sertanejo de feição amadurecida pelo tempo e castigada por um sol abrasador do nordeste, de codinome Severino, a qual todos o conheciam por “ Seu Biu” figura dura nas decisões e de tanto teimar, dizendo que quando morresse ia ajeitar os dentes, pois tinha um medo da cadeira do dentista que fazia dó.

Acontece que a indesejada (A Mulher da capa preta – a dona da foice) veio a ter com o sertanejo naquela noite de lua cheia.

O casebre em que morava era rústico, erguido em taipa batida, coberto de telhas moldadas por ele, no terreiro da casa, que já aproveitou o poço do barro para fazer a cacimba.

Em frente da casa, haviam duas janelas laterais e no centro a porta de entrada com um batente feito de pedra.

Era de acomodações simples como toda residência do interior dos sítios nordestinos, um salinha que tinha além das janelas frontais, mais duas nas laterais, que só dava para passar uma lata de querosene cheia d’água.

Se aprofundando dentro da residência, tinha uma porta divisória que já dava na sala de janta que se confundia com a cozinha esfumaçada. Nos lados o quarto do casal em sequencial com os dois outros dos filhos, um para as meninas e outros para a macharia. Tudo isto iluminado por candeeiros providos à querosene.

O chão era de barro batido, pilado em uma das muitas noitadas de samba de roda e samba de côco.

Seu Biu, era muito conhecido e com o advento da sua morte, o terreiro limpinho da moradia, apesar de mal iluminado com dois lampiões de gás, ficou cheio de vizinhos, conhecidos, amigos, parentes e curiosos.

Acontece que como é costume no Nordeste, cantar as excelências, beber o morto, tomar café com bolacha canela, beber uma pinguinha e soltar conversa, até o sol raiar, fazendo valer o velório.

Dentre um choro, uma conversa, uma prosa, apareceu pelas quatro da matina, seu João Fotográfo, figura, lendária naquela região, porém um profissional sério e de grandes feitos.

Naquela época, havia também o costume de tirar a foto do desafortunado exposto no caixão já enfeitadinho, e ao redor da urna, toda a família, com o intuito de uma lembrança do extinto.

Sendo a família numerosa, além dos penetras, houve o preparo para “bater a foto”, acontece que a sala apesar de pequena, ficou apertada para tanta gente.

Espremia os meninos, empurrava os mais velhos, as caboclas teúdas e manteúdas eram as mais amassadas, enfim, conseguiu seu João Fotógrafo arrumar a posição ideal da fotografia, e mirou e demorou:

Naquele impasse, como o Fotógrafo tava demorando a dar o CLIC na máquina, foi quando o filho de Seu Biu perguntou:

Seu João, VAI DEMORAR MUITO?

Seu João engoliu seco, e respondeu.

TÔ ESPERANDO O FALECIDO “CUMPADRE BIU” PARAR DE SORRIR!

Formou-se um silêncio sepulcral, Seu João Fotógrafo continuou,

“ELE TÁ RINDO, PODEM OLHAR”

Nisso, foi uma gritaria... VIRGE, CREDO, O DEFUNDO ENVIVECEU!

Pense num alvoroço!

MULHER PASSANDO POR CIMA DE MENINO, MENINO SENDO EMPURRADO PELAS JANELAS que só passava uma lata d'água, nesse momento passou de três Caboclas de uma vez. Gritava Maria, "acode ZEFINHA segura os meninos que a coisa tá preta".

A porta da frente, ficou grande demais, só sabemos que passou todo mundo de uma só vez.

O terreiro que estava cheio de gente, ficou limpo e deserto. Era mulher puxando o marido e todos dizendo CORRE QUE O DEFUNTO ENVIVECEU!

Ao passar de cinco minutos, apareceu no portal da frente da casa, Seu João Fotógrafo, gritando: BANDO DE COVARDES, BANDO DE MEDROSOS,

“VENHAM VER O SORRISO DO “CUMPADRE BIU”, quanto mais ele dizia isto mais o povo se embrenhavam no mato e sumiam na escuridão.

Por volta das cinco da matina, já o dia raiando, a viúva com os filhos, foram se aproximando da casa, desconfiados, e que só tinha Seu João Fotografo sentado no batente da casa, já embriagado, agarrado com uma garrafa de pinga Mocotolina, e dizendo, “O CUMPRADE FALECIDO AINDA TÁ NO CAIXÃO NA SALA, NÃO DEU UMA VOLTINHA SEQUER”. E a viúva ainda perguntou.... Cumpadre João Fotógrafo, o “Seu Biu” já parou de sorrir ?....

Com o raiar do dia, os ânimos foram se acalmando, o povo se aproximando, e lá no caixão TAVA SEU BIU, COM UM SORRISO DE menino maroto NA FACE, mostrando sua dentição desfalcada, todo enfeitadinho, como se dizendo, TÔ INDO.

Risonaldo Costa
Enviado por Risonaldo Costa em 14/09/2009
Reeditado em 10/10/2015
Código do texto: T1810773
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