Um Rei sem Trono

Sentado em sua velha espreguiçadeira - presente de um amigo que morreu aos cem anos de idade – seu Zé era a imagem de um rei sem trono. Esparramado, sendo servido pela segunda esposa, que de tempo em tempo tinha de ser chamada para atender as solicitações do marido que por ter os beiços secos vivia a pedir água.

Desde o casamento até o dia fatídico os desencontros foram muitos. Maricota é o nome da esposa que não se acostumava com a vida da roça. Seu Zé tinha dinheiro, mas vivia como se recebesse apenas um salário mínimo. Quando quis ganhar a Maricota usou um artifício não muito comum; colocando um maço de dinheiros em cima da cabeça dela e tentadoramente lhe prometeu: ‘Tudo isso será seu quando me aceitar como seu esposo!’ E a coitada como abelha no mel, caiu de cara. Mentira cabeluda. O seu Zé era o maior pão duro do pedaço.

Com o casamento marcado. Festa arranjada. Saíram dispostos a vivenciar o grande dia. Porém, houve um imprevisto, e os noivos chegaram depois que o juiz já tinha fechado a sala. Improvisaram na entrada uma cerimônia e como testemunhas tiveram os guardas que prestavam serviço naquela noite. Era uma cochichada só. As testemunhas não conseguiam parar de rir. Tudo muito hilário, mas para seu Zé o vexame já tinha passado, e à hora era de comemorar.

Foram para a casa da noiva. Ele, setenta e sete anos bem vividos. Ela, cinquenta aparentando trinta e cinco. Chegando lá outra surpresa, desagradável por sinal. O bolo veio, porém quando iam colocar na mesa perceberam que um moleque levado meteu a mão catarrenta, tirando um bom pedaço. Ocultaram como puderam, porém o estrago estava feito. Mas seu Zé animadíssimo, continuava com sua cara redonda, sorriso fixo, desdentado recebendo os convidados.

Fim de festa. De volta à realidade. Seu Zé colocou as unhas de fora. Sentou com a nova esposa e deu as instruções:

1. Sozinha não sai de casa pra cantu ninhum.

2. Nada de ispichar o cabelo.

3. Tem que cuidar da casa, do roçado.

4. Economizar água da cisterna proque água custa caro. Vem da chuva, mas e daí, se não regar, vou ter que comprar.

5. Se fizer algo errado apanha de cinturão ou de gaio de mato.

6. Só vamus à cidade uma vez por semana.

7. Nada de festa, nem de gasto com visita.

8. Quando chegar ao mercado quem escolhe as coisas é ieu.

9. Não tenti pegar dinheiro meu, pois Ele não sai da minha calça.

10. Se não quiser ficar, vai sair com a roupa do couro.

Maricota não acreditava no que estava ouvindo, seu sonho havia se tornado um pesadelo. Porém queria viver. Já havia passado por um casamento, vivia trabalhando pela casa dos outros. Estava cansada de não possuir nada.

Aprendeu a trabalhar com a enxada, passou a pintar a casa, cuidar do sítio. Mas o velho não dava descanso. Se passasse uma pessoa e desse bom dia ao casal quando ela entrava em casa, só não levava nome de santa. Motivo: O vizinho só devia dar bom dia para ele. Se voltassem a pé da cidade, e um motorista parasse oferecendo carona, ele aceitava se estivesse muito cansado, porém quando chegavam era uma briga. Parecia um galo garnisé, era realmente deprimente o quadro.

Foi depois de tantos desaforos e maus tratos que entendeu o porquê dele ter ficado sozinho por mais de dez anos. O marido não valia o chão que pisava.

Maricota bem que aturou, mas um dia, o seu Zé por uma coisa a toa mandou que ela baixasse a roupa que iria apanhar de cinta.Ela não pensou duas vezes. Estava com uma mangueira velha e ressecada na mão e mandou pra valer. Depois pegou as trouxas e voltou pra casa dos velhos pais. Do seu Zé não quis nem ouvir falar, e ele com vergonha por ter apanhado de uma mulher, resolveu criar uma estória conivente para explicar as marcas na pele enrugada e o sumiço da esposa.

Ione Sak
Enviado por Ione Sak em 15/09/2009
Reeditado em 15/09/2009
Código do texto: T1812163
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