"O FORRÓ na LUZ do CANDEEIRO"

Certa vez houve um forró no Sítio Cana Brava, na propriedade de Nhô Zinho, caboclo afamado pela brabeza e pelas festanças que promovia.

Era mais uma das tantas comemorações das novenas de São Gonçalo, que já vinha se arrastando a quase um mês.

Todo dia tinha festejos.

De comidas (galinha assada, à moda cabidela, pamonha, canjica, coscuz, bode cozido de todas as maneiras imaginárias, sempre com o tempero do sertão nordestino, uma pimentinha de cheiro que dá aquele sabor inconfundível, que só de lembrar me enche a boca do sabor, (ERA UMA FESTANÇA DE ARROMBA)

Com o desenrolar da novena, foi anoitecendo e a grande maioria, já acompanhada das caboclas sertanejas, cheirosas, bem penteadas à moda, vestidos glamorosos da ocasião. Os rapazes, também estavam no capricho, cada qual com suas vestes de (caqui Floriano e mescla Azul), já aparecia vez por outra uma calça tipo LEE, jeans puro americano, e só quem podia comprar era os mais abastados, filhos de fazendeiros e coisa e tal.

Com o cair da noite, todos esperavam o forró, aproximou-se às 20:00 horas, e já se ouvia o batido do bombo, a arrancado do fole (sanfona), o tilintar do triângulo e balir do pandeiro.

A noite estava para cego nenhum botar defeito, se metesse o dedo no olho do outro, ninguém sabia quem tinha sido em face a escuridão tamanha.

O Forró tava se vestindo, salão no piso de barro-batido, socado nos pés dos caboclos que participaram da última festança, porém já estava “agoado” para não levantar poeira, e também desodorizado com folhas de mangueira, eita cheiro bom!

Lá em cima da “linha” que sustentava os “brabos” do telhado, já haviam acessos os CANDEEIROS, em numero de três, eram grandes seus pavios, e as chamas davam a quase certeza de que tava claro o salão.

Nisso Chico de Fulô, já estava pronto na entrada do salão do forró, acompanhado de Evinha, cabocla formosa nas formas e nas aptidões, saída e assanhada, toda se peneirando para o arrasta-pé.

Ela estava com uma caixinha cheia de laçinhos de fita com uma alfinete, para os “cavaleiros” que fossem entrando e pagando a “cota do sanfoneiro”, já ficarem isentos dos vexames das cobranças por parte de Nhô Zinho.

Chico Fulô, já tava se “inxerindo” para Evinha, coisa que também o sanfoneiro Zé de Coité, também já fazia sinal de paquera, e o fole da sanfona já estava sofrendo por conta dessas intenções.

Começou o “baile”, a poeira já ia subindo quando pararam um pouco a dança e jogaram mais umas pinceladas d’água, fazendo baixar o pó e aumentar o cheiro da folha de mangueira pisada.

Entre uma “bicada” e outra, Chico Fulô já estava meio alto, porém sorridente com os encantos e a cortesia da cabocla Evinha, que mesmo dançando com ele, dava umas espiadelas para o sanfoneiro, e este piscava o olho de volta, como se fosse uma sintonia de conchavos.

No arrasta-pé, vez por outra o fole gemia “o tocador quer beber”, nisso já vinha um dos encarregados da assistência aos tocadores, trazendo uma dose de “conhaque São João da Barra”, coisa quente, que quando o cabra toma, sobe um fogo por trás das orelhas, os olhos ficam grelados, a garganta geme e tampa do traseiro faz força para não fazer feio.

Não se tinha permissão para entrar armado na festa, isso era imperioso a “revista” feita por Nhô Zinho, investido na “otoridade” de DELEGADO, PROMOTOR, JUIZ, PADRE, DONO DA CASA, DONO DO FORRÓ e nas horas vagas “COVEIRO”, pense numa autoridade!.

O salão estava cheio e o forró topado, não parava Dama sentada, imagine as que estavam em pé.

Os caboclos já meios crescidos por conta “das pingas” pois cerveja era coisa de outro mundo, imagine gelada dentro de uma jarra.

Foi se adiantando a hora, já passava da meia noite, quando Evinha pediu a Chico Fulô, um descanso para ir na “cazinha” tomar um afresco e fazer “umas necessidades de dama”. E ele pegou outra dama e continuou a aumentar o suor no forró. Mas disse a Evinha, “tu volta logo cabocla, pois tô danado por tu”, ela sorriu e saiu.

Quando Zé de Coité, viu a cabocla saindo e ao seu sinal seguiu-a, passando as vezes do fole para o assistente, não deixando a farra cair de produção. O forró tava mais que animado.

O salão da festa era comprido, porém estreito, e superlotado, não dava para um passar sem se esfregar no outro. Porém não havia saída de emergência, somente algumas janelas laterais em numero de três, que permaneciam abertas para ajudar na ventilação. Quem estava fora lá no escuro via a movimentação dentro do salão, porém quem estava dentro do salão, não via nada do que estava se passando lá fora, em face da escuridão.

Por tal motivo, Evinha e Zé de Coité, aproveitaram a escuridão da cazinha, e fizeram tudo que tinham que fazer...(tudo mesmo)

Passado uma meia hora, Chico Fulô também precisou se aliviar e saiu do salão para ir na “moita”. As damas vão na “cazinha” e os caboclos vão na “moita”.

Quando Chico Fulô foi passando perto da “cazinha”, viu os gemidos do casal Evinha e Zé de Coité, porém nem imaginou que fossem eles.

Saiu no seu intento, e quando voltou para o salão algum tempo depois, lá estavam os dois pombinhos, como se nada tivesse acontecido.

Porém a desconfiança de Chico Fulô, começou a raiar, pois com a ajuda da pinga, ficou em ciumeira com Zé de Coité, e começou a “ingrizia”. Nisso já havia se apagado um candeeiro porque tinha acabado o querosene, ficando o salão mais propício aos acontecimentos dos “atos de safadagem”. Era a mão naquilo, aquilo na mão, a mão boba, a boba na mão, esfrega daqui, remexe acolá. E de vez em quando Nhô Zinho dizia e alertava “CUIDADO, AQUI É AMBIENTE FAMILIAL”!

Familial ou Familiar, os neguinhos e as neguinhas não estavam nem aí para os alertas.

Irrompendo na ciumeira, Chico Fulô tirou a camisa molhada de suor, deixando aparecer os “bicipes” de pegador de gata parida, domador de galo de rinha, corretor de imóveis, dentre outras qualidades.

Quando partiu para cima de Zé de Coité, rodou a camisa que bateu no outro candeeiro que caiu no chão e apagou-se, ficando todo o salão na iminência da claridade de um só chupador de querosene.

Zé de Coité gritou, segura o homem que ele quer brigar, quem tava perto foi logo abrindo a roda, que virou uma grande rinha escura, porém quem não sabia o que estava acontecendo, foi logo correndo e dizendo “é uma briga”, passou todo mundo pelas janelas, como um estouro da boiada, derrubando o porteiro, quebrando tamboretes, pense num desarranjo intestinal.

Era gente medrosa querendo sair apulso, era os curiosos e os brabos querendo entrar também na tora.

Era tabefe prá lá, tabefe pra cá, murro vai, murro vem, foi nesse momento que o sirigaita do tocador de pandeiro gritou!

NA FACA NÃO!

NA FACA NÃO!

NA PONTA DA PEIXEIRA NÃO PRESTA!

Ai foi que a bagaceira deu-se da maior forma, gente por cima de gente, os brabos que eram brabos, nesse momento ficaram “mofinos” pois na base da faca peixeira, o caboclo pensa dez vezes na razão da brabeza.

A porta da entrada do salão que era feita em duas bandas, nesse momento tornou-se em oito, pois ficou pedaços dela que nem na fogueira de São João dava para aproveitar.

Nisso entra o Nhô Z|inho investido naquela “otoridade”, e diz, O BRABO DAQUI VAI TER QUE BRIGAR COMIGO. E continuou!

MENINOS, BOTA FOGO NAS LAMPARINAS,

Pronto, foi a deixa para jogar água na fervura, quando acenderam os candeeiros, viu-se o tamanho da bagunça.

A sabumba tava furada, pois alguém atolou o pé dentro dela, os pedaços do pandeiro, jogado no meio do salão e fole do sanfoneiro estava dividido em três partes, uma no chão, outra na meia parede e a outra ainda hoje se busca.

E Nhô Zinho dizia, EITA QUE BANDO DE CABRA MOLE, por uma besteirinha dessa acabaram com a festança do FORRÓ NO CANDEEIRO.

Risonaldo Costa
Enviado por Risonaldo Costa em 02/10/2009
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