REMÉDIO TROCADO

Foi por causa do falatório de dona Filó que Honório da farmácia contratou Joaquinzinho, filho de Turica de Olegário para auxiliar no balcão nos dias de feira.

Durante a semana poucas pessoas procuravam a farmácia e Honório dava conta de tudo sozinho.

Era uma injeção, um curativo, raramente suturar uma cabeça lascada ou supercílio aberto ou sarjar tumor ou furúnculo. O marasmo de o nada fazer arrastava-se durante o dia todo, todo dia.

Entretanto nos dias de feira o negócio pegava fogo.

O pessoal que vinha dos sítios trazia a esperança de arranjar a cura para, se não todas, pelo menos a maior parte das mazelas. O doutor receitava e Honório despachava laxantes, vermífugos, vitaminas, comprimidos (que o pessoal chamava de cachete) que servia para tudo desde insônia até agonia de solteirona.

Honório não gostava de banco.

Sempre disse que banco, banqueiros e bancários era um bando de sem vergonhas ladrões do dinheiro do povo e o dinheiro dele não iria ser depositado naquele buraco sem fundo, onde o cabra era obrigado a comprar seguro para o negócio, fazer seguro de vida, comprar cotas de investimento que não acabavam nunca.

Numa segunda feira de muito movimento, Honório estava costurando a cabeça de uma menina que estava andando no meio da feira, com a cara para cima apreciando o movimento e não viu as cascas de bananas que os fregueses inadvertidamente espalhavam pelo chão.

A bichinha caiu e bateu com a cabeça nas tralhas de ferro que estavam expostas em cima da lona e deu um corte feio que partia da sobrancelha por cima da orelha até quase a nuca.

Eram peças de ferro de toda qualidade, chaves de boca, peças de carroça, enxadas, foices, formão que Bento ferreiro trazia para vender.

Pegaram a menina e levaram para a farmácia.

Honório tamponou o corte com um chumaço de algodão embebido em tintura de arnica.

Enquanto a menina urrava de dor, parou o sangramento e Honório levou-a para o quarto dos curativos para fazer a sutura.

Em meio à confusão, um desconhecido entrou na farmácia e apontando para a caixa de Biotonico Fontoura que estava na prateleira mais alta, disse a Joaquinzinho.

- garoto, me dá aquele remédio ali. Entregou uma nota de vinte reais e saiu dizendo, pode ficar com o troco.

O resto do dia transcorreu como era normal em dia de feira com muita gente entrando e saindo.

Anoiteceu.

A feira acabou.

Os sitiantes voltaram para suas casas.

Joaquinzinho fechou as portas da farmácia deixando aberta apenas meia folha da porta principal por onde ele deveria sair.

A casa de Honório ficava no fundo da farmácia e o fechamento total seria feito por ele.

Honório fechou o caixa e fez as anotações do que foi vendido para poder baixar do estoque.

Ele fazia esse controle para facilitar o pedido quando o viajante do laboratório chegasse.

- Joaquinzinho cadê a caixa de Biotonico Fontoura que estava ali?

- Vendi seu Honório...

Honório arregalou os olhos, ficou vermelho feito pimentão maduro e espumava pelo canto da boca quando conseguiu dizer.

- Seu jumento sem mãe, você entregou a caixa do dinheiro apurado o mês todo...

- Ôxe seu Honório, como é que eu podia adivinhar que o dinheiro estava ali?