A Donzela Josefina e o Garanhão Manezinho de Serra Talhada ou O cantador do sertão

A Donzela Josefina e o Garanhão Manezinho de Serra Talhada

Ou

O Cantador do Sertão.

Inscrito na Fundação Biblioteca Nacional, (A mala de couro cru e outros) sob o nº 482548 Livro 910 Folha 473

Proibida a reprodução sob quaisquer meios sem a autorização por escrita do autor.

Como foi que Josefina Coice-de-mula conseguiu se casar com Manezinho de Serra Talhada é o que todo mundo se pergunta até hoje. Digo isto porque a donzela era feia igual aquela frase: “teje preso sujeito!”, mas observação à parte, que ninguém tem nada com isso, o certo é que se casou e vive até hoje, tanto tempo depois.

Que Josefina era feia, isso nem é preciso comentar; baixa e atarracada, canela de sabiá. Assemelhando-se a duas jacas, os seios, abundantes até demais. Desbundada! Isto é: a bunda era como uma tábua de passar roupa. Jeitão de homem! Aliás, jeito e desenvoltura de homem isso sim. Sobre essa parecença com o sexo oposto nem quero tecer considerações sobre uns fios de cabelo na altura do cavanhaque, Deus me livre! Sou doido, mas tenho juízo!

Desde a juventude era boa na roça: na colheita do feijão de corda, ou ao cabo da enxada lá estava Josefina Coice-de-mula passando a perna em todo cabra frouxo que desafiasse maior produção que ela.

O que mais se destacava na admirável donzela era a disposição por uma boa briga. Moça de família, Josefina não admitia certas intimidades. Namoro longo floreado com mimos avançados, nem pensar. Aliás, neste particular, nossa heroína era virgem, ninguém jamais tocara em seus “noves fora”, assim como ela nunca havia provado um beijo na boca. Contudo da noite para o dia noivou. Noivou e casou em menos de seis meses.

Dizem as más línguas que o matrimônio se deu depois de um arranca-rabo no campo, onde o futuro cônjuge, Manezinho, metido a conquistador barato, o terror das moças de Serra Talhada, tentou bulir com Josefina. Foi ali na roça que ele conheceu, pela primeira vez, a força do braço da donzela. Malandro do carteado e do taco na mesa de sinuca, freqüentador assíduo dos botequins da cidade, era bom de copo e ruim de pegar no pesado, dizem.

Mas eu não quero me meter num rolo desses, ainda mais conhecendo de perto a consorte, Deus me livre! Quem gosta de apanhar é conquistador metido a boêmio!

Bem, como ia dizendo, Manezinho, se achava no direito e no dever de bulir com a donzela.

Deu-se mal!

Mas, guenta aí que eu gosto de contar a história é mesmo dos começos! Tudo principiou em uma noite antes dos primeiros fatos acontecidos, ou seja: o sopapo bem encaixado no pé-de-ouvido de Manezinho.

Tudo teve seu início exatamente no cabaré da cidade, com nosso herói sentindo uma necessidade fisiológica de descarregar sua tensão devassa em uma profissional do ramo...

Êta classe mais sofrida... Quando é que o congresso vai reconhecer os relevantes trabalhos de nossas... Deixa pra lá! Daqui a pouco acabo no xilindró por conta desta minha língua!

Como eu ia dizendo, naquela noite, como em quase todas as outras, Manezinho perdeu na mesa de pôquer e, decepcionado que estava, entrou no cabaré que era o salão em anexo com o da jogatina. Avistou uma dona, por sinal bonita e recentemente chegada à empresa dos prazeres. Como era de se esperar e fazendo jus à fama de conquistador logo se engraçou da bela espécie de mulher-dama ali à sua frente.

Mercadoria de primeiríssima qualidade, todo mundo sabe, é logo concorrida, assim sendo nosso herói, depois de observar aquele mimo, que mais parecia souvenir chinês, partiu pra cima da moça de olho na mercadoria emoldurada por um belo par de coxas da dita cuja.

Apesar de estar desprevenido, sem dinheiro para pagar ao menos um drinque para a garota, visto ter saído liso da jogatina, partiu pra cima e confiante, tendo como certa a conquista! Afinal malandro que é malandro não precisa de mufunfa para conquistar garota alguma, seja ela souvenir da China ou bibelô mimoso de El rei de França, ainda mais em se tratando de mulher-dama. Assim pensando Manezinho disparou sem maiores entremeios:

— Vosmicê tá livre, sá menina?

A garota sacando tratar-se do mais autentico brocoió, e acostumada a lidar na capital com tabaréu besta começou por não levar a sério o baiquara.

Depois de um leve sorriso de deboche ela diz:

— Por acaso sou alguma carroça de aluguel?

Por um momento nosso herói se descompõe, mas logo se recupera cara-de-pau que era.

— Né isso não, eu quis dizer...

Chega ao ouvido da mulher e cicia a mais deslavada cantada.

Ela responde prontamente:

— É 50,00 mil réis!

Manezinho regateia no preço:

— Oxente, sá menina faça um menos... Tá muito caro!

— Sou mulher asseada, vou ao doutor todo mês!

Aquele: “mulher asseada” aumenta a vontade de fazer descaração e nosso amigo, resolve confessar sua real situação:

— É que perdi no jogo, to meio duro, num sabe... Tenho só vinte...

A mulher se insinua:

— É cinqüenta e acabou-se, viste!

Sentindo o clima desfavorável Manezinho tenta negociar:

— Te dou vinte hoje, amanhã eu pago os trinta...

Percebendo não sair dali soma que merecesse seu valor, a garota resolve-se pelo que supunha ter o garanhão de Serra Talhada

— Tá com os vinte aí?

Evidentemente ele está sem dinheiro e tenta ganhar a garota na conversa; como diz a sabedoria popular, “quem não chora não mama”, assim ele foi tratando de montar o argumento do sujeito endinheirado:

— Como de fato, aqui presentemente num tenho não, mas é só ir buscar no cofre, lá em casa..., adoça a voz pra melhor impressionar: — debaixo do colchão...

Como era de se esperar a garota não tinha o seu mimo para vender, digamos, na pendura. Acaso já se viu coisa parecida pelos rincões dessa nossa pátria amada, salve, salve? Malandro querer aquilo na base do “depois eu pago?” era só o que faltava! Por isso a reação enérgica da moça:

— Salta fora, tabaréu besta! Fiado nem pro meu xodó, coroné Zeca de Pedro Piocó!

De orelhas murchas que nem burro em pasto de pobre e com o rabo no meio das pernas nosso herói não vê alternativa senão voltar pra casa.

No dia seguinte como todo bom malandro, o nosso herói acorda tarde, depois das dez horas. Imediatamente as imagens da noite anterior saltam dentro da mente do, ainda excitado Manezinho. Lembra-se da insinuação da mulher; o bibelô afrancesado não lhe sai da imaginação.

É nessa tensão que ele vai encontrar Josefina Coice-de-Mula num dia em que ela estava mais para ficar nas prendas de casa do que sair por aí ouvindo dichotes de “A” ou de “B”.

Urubu quando está de azar, dizem os filósofos, o que voa abaixo borra o que em cima voa! Pois foi nesse desventurado dia que nosso herói apareceu na roça no exato instante em que a donzela, suando por todos os orifícios que Deus, Nosso Senhor, botou na gente, pegava no cabo da enxada e carpia uma plantação de macaxeira, pensando talvez no tamanho indecente da raiz de mandioca a ser colhida daí a alguns meses da mãe-terra.

Naquele dia Manezinho apareceu; cabelo nos trinques duro de brilhantina barata, todo engomado, perfume de camelô exalando pelo corpo inteiro, camisa desabotoada a mostrar umas penugens de cabelo no peito pra provocar tesão de mulher besta, e et cétera e tal.

Assim que avistou a donzela naquela luta desmedida, quase descomposta por conta da saia acima dos joelhos e umedecida pela abundancia de suor quase mostrando a calçola, curvada que estava ao cabo da enxada em fazer a limpeza da plantação de mandioca.

Manezinho ficou reparando por trás a donzela na lida diária que, ocupada como se encontrava, nem deu por fé da presença do garanhão da cidade.

Garanhão é modo de se dizer, porque comentam as línguas da vida alheia que, o que Manezinho tinha de bom mesmo era o gogó. Ele era daqueles sujeitos que, nem faz aquilo, nem deixa os outros fazerem, mas pra Deus e o mundo sai por aí difamando a mulherada. Êta povozinho mais enxerido, esse povo brasileiro, Deus me livre dessa gente!

Pois bem, ao ver a donzela naquela luta do dia a dia achou-se, como já disse, no direito de falar o que não se deve, como se Josefina fosse sua propriedade particular. Botou veludo na voz, cofiou o bigodinho fino e disparou:

— Boas tardes...

Josefina assustou-se com “aquele boas tardes” ocupada que estava, sem tempo de prestar atenção no que ia ao redor.

Ia responder, mas nem deu tempo; Manezinho, para iniciar a conquista tida como certa, foi logo perguntando, com um sorriso cínico e o pensamento nas partes inferiores da donzela.

— Tá prantando o que?

— Umas raiz de macaxeira, respondeu na sua inocência Josefina Coice-de-Mula.

Manezinho soltou uma gaitada (gargalhada)

— Tá precisando?

— Do que?

— De mandioca, a minha é bem grande!

E como se não bastasse a grosseria ainda teve o desplante de segurar as coisas por cima das calças e mostrar pra donzela.

Dito isto se achou no sagrado dever de avançar pra moça na intenção de fazer descaração.

— Me arrespeite cabra escroto!

À advertência seguiu-se um sopapo bem no pé do ouvido, que fez Manezinho, com licença da palavra, cair de cú trancado e conhecer naquele exato momento o Coice-mula que era o braço de Josefina.

Manezinho de Serra talhada, ainda meio zonzo, levantou-se, sacudiu a poeira, abriu um sorriso amarelo e perguntou:

— Tu quer se casar mais eu?

Por um pedido assim inusitado, Josefina Coice-de-mula não estava preparada, ainda mais se levando em conta o estado de espírito da donzela.

— Vixe! Casar?

— Mais eu... Quer? Repetiu Manezinho.

Virgem encalhada de muitos anos à espera do príncipe encantado, e ainda sem acreditar no que ouvia, apenas balbuciou meio que encabulada:

— Tu não se importou?

— Do que?

— Da tapa, vixe Maria, tu caiu de cú arrochado, pensei que vosmicê ia morrer...

— Se importo não, tapa de amor não dói...

— Intonse, quero!

Seis meses depois com a santa bênção do matrimonio e uma confusão logo na porta da casa do Senhor, desposava Manezinho de Serra Talhada a donzela Josefina.

A confusão que ocorreu logo depois do casamento se deu na porta da igreja, ainda no recinto do templo, quando uma sirigaita se insinuou pra Manezinho, e ainda teve o descaramento de dizer umas lorotas pra recém nubente:

— Como pode um monumento esculpido da natureza casar com um tribufu desses?

Josefina ouviu, ouviu e não deixou por menos:

— Arrepete cachorra!

De nada adiantou os rogos do vigário e o pedido do marido, aliás, este ela despachou com um safanão, que fez Manezinho descer as escadarias do templo aos tropeções.

Vendo a hora e o instante de derrubarem a igreja o vigário gritava preocupado:

— Respeitem a casa de Deus!

Soprando pelas ventas que nem vaca parida, Josefina não ouviu os rogos do padre nem reparou no buquê de flores que trazia na mão a fim de, como manda a tradição, jogar depois no meio do terreiro para as companheiras apanharem. O que via naquele momento era a sirigaita com aquele sorrisozinho de repórter de televisão quando noticia algum fato hilário. Não pensou duas vezes, esmagou na cara da desavergonhada o tal buquê de flores!

— Sujeita àtoa!

— Àtoa é sua mãe, baranga!

— Respeitem a casa do Senhor, gritava desesperado o vigário.

— Vou te mostrar quem é baranga, tampa de garrafa! (a outra era baixinha) gritava enfurecida Josefina.

A certa altura manezinho, que havia descido aos tropeções a escadaria do templo volta de repente e se intromete no angu-de-caroço; leva um safanão da consorte e outra vez, antes do previsto, desce na marra as escadarias do templo .

— Te quebro toda, vaca assanhada! Berrava Josefina.

A outra com a cara mais parecendo jardim arruinado quando pisoteado por alguma vaca desavisada, devido o ato nervoso de Josefina, responde na base do esculacho:

— Sai pra lá, despacho de encruzilhada!

Aí não houve mais controle, do bate-boca foram às vias de fato, só terminando o arranca-rabo com a intervenção de um policial chamado às pressas pelo vigário que àquela altura já havia se arrependido de haver celebrado o tal casamento!

Apaziguada a confusão, e mais tarde dispensada a plebe que viera às bodas das núpcias, Manezinho veio a conhecer de fato o braço da donzela logo na segunda noite de feliz casamento. E as surras tornaram-se eventos corriqueiros nos mais de dez anos de feliz matrimônio.

Ocorre que, toda donzela tem lá os seus segredos e caprichos. No caso de Josefina, era um particular só dela, e esse particular desfrutava de todo amor e atenção de nossa donzela, digo, ex-donzela, porque apesar dos resmungos de Manezinho, Josefina cedeu, como era natural logo na primeira noite; e se a coisa de nosso herói era grande ou pequena não vou entrar em detalhes porque afinal de contas ninguém tem nada com isso, mas se tem algum curioso e insiste em querer saber o que não é da conta de ninguém, vá lá conferir, pergunte pra Josefina!

Eu repito, não tenho nada com isso, me deixem fora desse rolo, ainda mais que esses dias Josefina me interpelou e eu tive que afinar que eu não sou besta de andar apanhando por aí!

— É verdade que o senhor anda me descompondo com suas escritas?

Amarelei:

— Imagina dona Josefina, é conversa do povo!

— Apois tome sua linha, escritorzinho de merda!

Êta mulherzinha mais atrevida, seu menino!

Mas como ia dizendo, tudo ia muito bem naquela primeira noite de felizes núpcias até que lá pras tantas da madrugada Josefina sentiu necessidades fisiológicas e levantou-se para o costumeiro xixizinho. Agachou-se e puxou de debaixo da cama o seu penico de estimação que ela dispensava mais amor que o amor ali presente.

Ao sentir o odor característico do destilo dos rins, Manezinho, que dormia a sono solto, achou de acordar; olhou pra mulher e não agüentou ao ver o penico mal cheiroso e encardido.

— O que é isso?

Pergunta mais besta pegou Josefina de surpresa:

— Não tá vendo? Um penico, abestalhado!

Que Josefina era desaforada isso está fora de comentários; mas o que revoltou Manezinho, nem tanto foi o “abestalhado” saído assim com certa naturalidade. O tal penico, ali à sua frente, é que deixou nosso amigo um tanto quanto aperreado.

— Amanhã jogo este nojo fora! Disse, apontando para o objeto de estimação da ex-donzela.

— Tente se for homem!

Se Manezinho era homem ou não, isso era problema dele, o certo é que, se sentindo ferido nos brios de macho, no outro dia ele tentou. Contrariando sua natureza boêmia ele tentou!

Tentou e fez; esperou Josefina sair para lida diária na roça e mandou o tal penico pros quintos do inferno, que era lugar adequado para aquele “nojo!”

À boca da noite Josefina nem deu por fé da ausência do seu objeto mais que adorado.

Depois do jantar, por sinal umas raízes de macaxeiras bem cozidas com carne do sertão, foram pro namoro no quintal, sob a placidez de um desmedido luar.

Mais tarde diante das queixas do príncipe recém chegado ao castelo de suas ilusões – reclamava ele do dia atarefado que tivera ora nos botequins, ora na mesa de sinuca ou então no carteado – foram finalmente pra alcova, que ninguém é de ferro; ainda mais se levando em consideração um casamento ainda em seus começos.

O arranca-rabo começou no exato momento em que Josefina deu por falta do seu penico tão estimado àquela hora da madrugada onde costumeiramente ela satisfazia suas necessidades fisiológicas.

— Cadê meu urinol?

— Joguei fora! Respondeu Manezinho, para impor sua autoridade de homem da casa.

— Cabra desaforado! Berrou Josefina, e ato contínuo, mesmo com aquela vontade de se desapertar, pegou o franzino Manezinho pela goela, levantou-o na marra e sacudiu uma bofetada que fez nosso herói cair sentado na cama.

Pego assim meio que de surpresa, Manezinho esboçou uma reação. Para botar a engrenagem nos eixos tentou partir para cima da enfurecida Josefina e mostrar para a mulher quem realmente era o homem da casa, o que foi pior.

Melhor seria ter levado a primeira bofetada e ter ficado quieto porque, sentindo a súbita manifestação de coragem do garanhão, Josefina mostrou para o quase valentão por se chamava Coice-de-Mula! A cada investida do príncipe encantado, era um sopapo bem encaixado da ex-donzela, que no fim do angu-de-caroço Manezinho apanhou mais do que preso na hora do interrogatório.

— Amanhã você vai me comprar outro urinol novinho, cabra escroto!

No outro dia lá estava Manezinho na venda, adquirindo um novo penico pra sua Josefina, e ainda por cima ouvindo gracejos do dono do armazém:

— Vai mijar abaixado agora?

— Não enche!

— E esse olho roxo?

— Não é da sua conta!

Depois do acontecido, as surras eram coisas corriqueiras na vida de Manezinho, o garanhão de Serra Talhada. Era escrever e não ler, como dizia meu pai, e o pau comer solto! Josefina fiscalizava a vida do consorte que nem juiz de futebol, em cima da linha! Era chegar com cheiro de perfume barato da rua, tome porrada, marca de batom na camisa, tome safanão! Quando ela cismava de ir buscar o marido no cabaré, e da porta soltava o grito de guerra, não ficava mulher na pista de dança e Manezinho já saía da boate na base do sopapo.

— Cabra escroto!

Em casa não dava folga ao malandro depois de cheirar a camisa com odor de perfume barato, e percebendo as marcas de batom no colarinho da camisa:

— O que é isso?

De nada adiantava as desculpas de Manezinho:

— Marca de semente de Urucu...

— Me arrespeita sujeito, pensa que sou lesa?

Manezinho aveludava a voz:

— Num começa, Zefinha...

— Zefinha uma pinóia, eu te ensino cabra!

Mesmo sem nunca ter parido Manezinho apelava pra santa das barrigudas:

— Valei-me minha Nossa Senhora do Bom Parto!

E começava o quebra-pau.

— Comigo tu endireita cabra escroto!

Foi por essa época que começaram a chamá-lo de cantador do sertão, devido à técnica por ele desenvolvida: toda vez que o pau comia, ele, pra não despertar suspeitas de vizinho intrometido, que é o que mais se vê por esse Brasil afora, danava a cantar. A cada porrada era um xote, a cada bofetada um baião, em todo sopapo um xaxado! Aprendeu todo o repertório do homem de Exu.

Depois do cu-de-boi acontecido logo na segunda noite de núpcias, e as correções ao longo da vida em comum, Manezinho aprendeu de uma vez por todas que havia se casado com um verdadeiro guarda-costas, fato comprovado um dia em que no botequim perto de casa uns sujeitos vindos de fora se meteram à besta mangando do garanhão e sua consorte.

— Vixe! Aquilo é lá mulher! Mais se parece com assombração de porta de cemitério, T’sconjuro!

— Eu preferia dez anos de xilindró do que casar com mulher de bigode!

— Diz que o marido apanha quase toda noite!

Manezinho que estava no balcão bebendo uma aguardente, aliás, já ia para quinta dose do destilo da cana, não avaliou bem o tamanho dos sujeitos e resolveu encarar o perigo:

— Quem apanha sou eu, ninguém tem nada com isso!

Um dos arruaceiros:

— Falou nos chifres, aparece logo o boi!

— Chifre quem tem é sua mãe! Berra Manezinho

E como já se disse, Manezinho havia tomado umas canas a mais e, inspirado talvez, na mulher ou na zonzeira da destilada, não gostou e partiu pra cima dos arruaceiros.

Saco de pancadas da mulher, não fez por menos, estava igualmente apanhando dos sujeitos quando ouviu o grito de guerra de Josefina que acabava de entrar no recinto:

— Cabras escrotos! Deixa comigo, marido!

E o pau comeu solto, nem foi preciso os valentões proteger os quibas, que é o lugar preferido das mulheres baterem em homem; êta mulherada mais covarde, Ave Maria. – Josefina Coice-de-mula, não se rebaixava a tanto – Dava mesmo era na cara dos arruaceiros, que só se via era valentão cair e levantar a cada porrada da consorte de Manezinho.

Êta mulher mais doida!

Depois do verdadeiro fuzuê onde quebraram metade do botequim e os arruaceiros partirem em debandada porta a fora, ela sacudiu a poeira, tomou um gole de aguardente e agarrou o príncipe encantado pela gola:

— Vamos pra casa! Gritou para o surpreso Manezinho. — Marido meu não apanha de cabra frouxo!

Cabo Frio, 02/09/2009

Olympio Ramos

Olympio Ramos
Enviado por Olympio Ramos em 30/12/2009
Reeditado em 07/03/2020
Código do texto: T2002682
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