HERANÇA DE FAMÍLIA

Talvez ele não tivesse ambição exagerada, mas era trabalhador habituado a produzir, naturalmente, sua própria independência. Por isso, claro, ficou contente ao receber como dote de casamento aqueles 130 alqueires de terras no sertão da Serra do Mar, distante mais ou menos cem quilômetros da capital paulista.

Começou com a família a cultivar café, cana de açúcar, cereais e, conforme os anos se passaram, adquiriu escravos e aumentou a produção. O sítio prosperou e ele passou, também, a criar gado, fabricar rapadura, farinha de milho e de mandioca, etc. E foi assim que, quando menos esperava, percebeu-se rico - para os padrões da região e da época.

Podia, então, sentir-se realizado, pois conseguira muito mais do que imaginara a princípio. No entanto, tudo tem seu preço e por isso sua família, antes tão alegre e espirituosa, vivia agora agitada. Seus filhos já não eram mais aqueles adolescentes carinhosos que tanto mimara. Todos, agora adultos, preocupavam-se mais com a parte da herança reservada a cada um do que com a união e felicidade da própria família. Usufluíam do que tinham sem se preocupar muito com a descapitalização do patrimônio.

E assim foi de geração a geração, até o dia em que os últimos herdeiros receberam porção tão pequena de terra que começar do nada já não seria muito diferente: era apenas questão de tempo!

E esses herdeiros em número tão grande, que hoje se desentendem por coisas banais e de valor discutível, não são capazes sequer de, pelo menos, meditar um pouco sobre esse antepassado* que lutou tanto para conseguir, como certamente dizia: -“... deixar minha família bem de vida!”

*Francisco Camillo Carvalho e Maria das Graças (vó Mariquinha – como dizia minha avó materna).

1ª versão:- Ele nascido em Salesópolis, descendente do alferes José Luiz de Carvalho – um dos fundadores da cidade. Ela nascida provavelmente em Mogi Mirim, foi criada com a família (?) onde ele, empregado da fazenda na época, casou-se com ela que tinha então doze anos de idade e ganharam como dote de casamento 130 alqueires , marcados por engenheiros e registrado em Cartório. Não se sabe ao certo qual seria sua função a princípio na fazenda, mas sabemos que depois de algum tempo, passou a ser feitor de escravos e uma das suas inovações na fazenda foi exigir do patrão, para aceitar o cargo, a compra de um prato para cada escravo. Antes disso todos tinham sua própria colher, mas comiam juntos em um coxo, como se fossem porcos. Isso sempre o revoltara, pois julgava desumano esse tratamento; mas enquanto não tinha posição privilegiada na fazenda não podia tomar nenhuma atitude. Portanto, assim que foi nomeado como feitor deles achou por bem tomar seu partido e beneficiá-los tomando essa resolução.

2ª versão:- Ele, nascido em Salesópolis, era filho de empregados da fazenda e foi batizado pelo patrão. Ficou órfão de pai e mãe ainda bem pequeno e seus padrinhos o adotaram – naturalmente sem documentação. Quando atingiu a maioridade, e para resolver a questão da herança, o fazendeiro resolveu casá-lo com uma das filhas legítimas – irmã de criação. O dote, naturalmente, era a parte legítima dela na fazenda – evitando, assim, atritos desnecessários com os demais herdeiros. Esta parece ser a versão mais plausível e é, provavelmente, a que será usada no conto que está sendo elaborado com o título de “A Saga da Família Paraitinguim” (homenagem ao Rio Paraitinga - que deu origem ao nome de São José do Paraitinga, mudado mais tarde para Salesópolis em homenagem ao Presidente Campo Sales por ocasião da sua visita à cidade).

Aliás, minha parte na herança se resume, hoje, a uma chácara de oito mil metros quadrados... É onde plantarei meu feijãozinho depois que me aposentar e ficar só viajando (na Internet)! Meus filhos herdarão menos de três mil metros cada um e os netos... bem, para eles restará, talvez, um lote de mil metros quadrados (fração razoável, ainda, dos mais de três milhões de metros quadrados  130 x 24.000 m2 - iniciais...) - (agosto/1980)

Lourenço Oliveira
Enviado por Lourenço Oliveira em 02/08/2006
Reeditado em 01/07/2011
Código do texto: T207704
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