O Ramalhete de Flores do Campo

Seu Orlando tinha uma floricultura que ficava de frente pro cemitério. Seu negocio ia de vento em popa, afinal, morre gente todos os dias e não tem lugar mais propício para uma floricultura do que ali, em frente ao cemitério. Já perdeu a conta de quantas consciências salvou, pelos mais de 10 anos que estava ali, ao vender uma flor para aquele ente querido e quase esquecido.

Diferentemente dos clientes emergenciais, ele tinha alguns costumeiros, como a dona Olga, que aparecia todas as quartas-feiras, próximo do horário de fechar a floricultura, lá pelas seis horas da tarde. Ela era uma senhorinha, nos seus setenta e poucos anos, mas aparentava muita saúde e lucidez. De passos firmes, chegava no balcão e pedia o seu ramalhete de flores do campo, conversava um tiquinho com o Orlando, saia em direção ao cemitério e entrava pelo portão.

Pelo pouco que conversaram, Orlando concluiu que Dona Olga era viúva há muito tempo e, decerto levava flores ao finado marido todas as quartas-feiras. A única queixa que Olga fazia era sobre a ausência dos seus filhos e netos, faziam muitos meses que eles não a visitaram e ela estava se sentindo só e abandonada. “Ainda bem que ela tem o túmulo de seu marido para visitar” pensava Orlando, algum exercício de afeto para ocupar seu cotidiano.

Num dia cinzento desses, morreu um grande amigo do Orlando, e ele manteve a floricultura aberta apesar da dor no coração. Mandou uma bela coroa de flores para fazer-se presente no funeral, mesmo estando do outro lado da rua. O enterro seria perto das seis da tarde, naquela terça-feira.

Quinze pras seis da tarde Orlando fechou a floricultura e foi ao enterro de seu amigo. Depois do sepultamento veio caminhando aleatoriamente pelo cemitério e ficou espantado com o numero de conhecidos seus que estavam lá, mortos. Também conseguia reconhecer alguns dos arranjos de flores saídos de sua floricultura, definitivamente era um bom negócio. Parou estarrecido em frente a um túmulo.

As flores do vazinho já estavam secas, a foto era de uma senhora de ar imponente e sério, mas de olhar feliz. Olga Albuquerque do Nascimento (17/08/1932 - 23/11/2005). Era a Dona Olga, sua cliente contumaz da floricultura. A data da morte já completava alguns anos.

Ainda pálido e com o pensamento a mil, foi até sua floricultura, reabriu as portas, fez um belo ramalhete de flores do campo e o levou até aquele tumulo. A partir desse dia, Orlando repetia o ritual: às quartas-feiras levava um ramalhete de flores do campo para a Dona Olga, e jamais percebeu qualquer sinal de outra pessoa, parente ou amigo, visitando sua singular cliente. Sentia-se contraditoriamente feliz ao perceber que Dona Olga nunca mais apareceu pra comprar um ramalhete de flores do campo.