Dr. Sardinha e o perfume

Dr. Sardinha em mais uma de suas aventuras no renomado escritório próximo a uma estação de metrô, ao lado da lotérica do Santos. É de lá que todas as coisas mais inúteis podem sair, até a mulher que procura seu marido.

- Aqui é o consultório do dr. Sardinha?

- Pois se não é ele quem vos fala? – dizia nosso caro doutor, que de doutor não tinha é nada, limpando o pouco de sorvete que havia caído em sua blusa.

- Soube que o senhor está trabalhando agora no ramo investigativo.

- Pois é certo que sim. Sentem-se e vamos aproveitar o momento oportuno para nos conhecermos.

O “sentem-se” se referia ao belo par de seios (e que par!) da moça presente no consultório.

- Estou com problemas de relacionamento com meu marido, e acho que desta vez ele largou de mim para sempre.

- Dessa vez? Interessante... prossiga.

- Foi mais ou menos assim.

Sardinha se ajeitou na pequena cadeira que sobrara do último assalto ao seu consultório. Olhou para o lado e viu o aquário que havia ganhado da mãe, com um pouco de água verde. O Gregório, que era seu peixe, já estava ali sem comida a mais de um mês. Torceu para que ela não olhasse para lá.

Eles, a moça e seus seios, iniciaram o causo.

“Foi de uma hora para outra que tudo aconteceu. Estávamos tão bem. Dificilmente brigávamos, e quando aconteciam, as discussões não duravam mais de um dia. Era muito bom quando nos reconciliávamos. Só que o Reginaldo, o meu marido, começou a se comportar de uma maneira estranha. Chegava mais tarde em casa, sempre dizia que tinha reuniões, andava meio desconfiado de tudo. Era como se quisesse esconder algo de mim. Fiquei com aquela pulga atrás da orelha.

Comecei a desconfiar de que tinha outra na parada. Foi aí que senti, quando fui lavar a sua camiseta, um cheiro que não era comum. Eu tive a certeza que era o de um perfume,que por sinal é o meu preferido, impregnado na camiseta do Reginaldo, e bem a camiseta que tinha dado a ele como presente de aniversário. Outra mulher. Reginaldo tem outra. Eu cheguei para ele e contei que já sabia de tudo. Disse ‘eu sei de tudo’. Naquele dia, nem ao menos conseguiu falar nada e saiu de casa. Já o procurei por todo lugar, mas não sei onde o Reginaldo foi se meter. Eu queria tanto perdoá-lo, mas só farei isso quando ele me disser, por mais que eu já saiba, a verdade. Quero ouvir da boca dele. O que você acha sobre isso, doutor?

“Espero que ela não tenha visto o aquário” – pensou Sardinha.

- Repugnante. Deixem o seus telefones e eu entrarei em contato assim que achar o Reginaldo.

Onde mais poderia estar um homem solitário, sem esperanças para nada na vida e ainda mais depois de ter sido descoberto pela sua própria esposa?

- Muitos clientes? – perguntou o Joca, dono do bar Varejeira. Agora o bar tinha uma placa, patrocinada por uma marca de cerveja pouco conhecida. Varejeira tinha essa fama, bem, acho que já deve saber o porquê.

- Estou, como dizem os marinheiros, em boas marés. Vim aqui para saber de uma pessoa. Por acaso vê regularmente um homem cabisbaixo, que bebe demais e se preocupa com o futuro, falando sozinho quando já está bêbado?

- Fala daquele homem ali? – apontou o Joca com seu dedo de unhas grandes para um rapaz com a barba por fazer, camiseta desabotoada até o terceiro botão e três garrafas da cerveja pouco conhecida sobre a mesa.

- Aquele mesmo.

Sardinha girou os calcanhares, puxou uma cadeira e sentou ao lado do homem. O bafo de cerveja estava ruim.

- Tua esposa te procuras.

- Ela deve ter contado para todo o mundo, não é verdade? Sempre fui fiel, um bom marido. Errei somente uma vez. Quem é que não erra? Me diz, quem é que não erra? – dizia o Reginaldo segurando o colarinho do doutor Sardinha.

- Acalme-se meu caro rapaz. Se continuar assim, bebendo como um louco, acabará tendo cirrose nos fígados. Veja bem, sua mulher ainda ama você. Volte para ela, não vai ser como antes é claro, mulher alguma suporta traição, mas nada disso impor...

- Traição? – interrompeu o homem. Deviam ver a cara que ele fez – É assim que ela chama, de traição?

- Se inventaram outro nome eu ainda não o descobri.

- Fazer horas extras é traição? Ficar como um escravo fazendo as vontades do chefe para ganhar uma grana, e tudo isso para comprar a porcaria de um perfume, que por sinal fede pra cacete e não sai da roupa, somente para agradá-la. Isso é traição? Aguentar por tanto tempo uma mulher que ama o beija-flor, a onça pintada, a arara é traição?

Agora Sardinha estava entendendo. A mulher era daquelas que adorava gastar e o marido que se ferrava pagando as contas. O doutor ficou em silêncio por um momento. Levantou a mão para o Joca e pediu uma rodada de cerveja.

Ficaram ali até altas horas da noite e por fim o Sardinha disse:

- Direi a ela que você se suicidou. Vá viver a sua vida meu caro.

Voltando para o escritório, olhou para o aquário e viu o pobre Gregório boiando. Foi sentar-se na cadeira para refletir, mas tinham roubado-a

Eduardo Costta
Enviado por Eduardo Costta em 19/03/2010
Código do texto: T2147810
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