AS AVENTURAS DE DON FACUNDO -PRIMEIRA PARTE -

AS AVENTURAS DE DON FACUNDO

Don Facundo era o tipo do bonachão, sempre de bem com a vida, não se alterava por pouca coisa, tão pouco se incomodava com a vida dos viventes,

Chegou à fazenda, como quem chega de mansinho, e foi acariciando o simpático Piloto, o cachorro mais cachorro que se pode imaginar. Os latidos de aviso de alguma coisa de aproximando da sede da fazenda foram logo substituídos por uns grunhidos e latidos de alegria.

Don Facundo viera há muitos anos, da “banda oriental”, como comumente dizia aos seus curiosos recém conhecidos, na realidade nascera no Uruguai, na Província de Tacuarembó. Por ali foi se acostumando com as lidas de campo, a fazer um excelente “assado” de cordeiro ou um espinhaço com batata e ganhar a vida de uma forma um tanto discutida. Mas alguma coisa chamava atenção: Não tomava chimarrão.

Tinha lá suas manias e crendices:

A primeira. No carteado, era muito difícil, mas muito difícil mesmo ganhar de Don Facundo. Praticamente lia as cartas. Tinha uma aptidão ímpar. Com as cartas nas mãos, já podia antever as jogadas futuras pelas cartas descartadas. Uma memória invejável e precisa. Perdia para não perder os “amigos de carteado”, que lhe aprovisionavam praticamente todas as semanas, com altas somas de dinheiro. Pôquer, Black-Jack e até Truco, eram seus prediletos.

A segunda: Se o carteado era algo de anormal, pela forma como jogava no jogo do “osso” podia se dizer que era algo de fenomenal. De cinco jogadas, no mínimo duas eram “suerte” e as outras duas “culo”. Muitos diziam que a razão pela qual Don Facundo, ganhava sempre, era em razão de preparar a tava de uma forma toda especial de preparar o astrálago. Retirava com todo o cuidado a peça anatômica, limpava-a muito bem, mas deixava uma porção de músculos e tendões.

Procurava um formigueiro, daquelas formigas lava pés e com muito cuidado, envolvia a futura tava em um empapado de açúcar cristal e manteiga. Colocava bem na entrada do formigueiro, de preferência na lua cheia e ali deixava a dita cuja.

Só na lua outra lua cheia é que ia ver como estava à futura tava. Limpinha. De tão limpa que dava até gosto de jogar. Não tinha cheiro de nada. Não tinha uma mancha e tão pouco um naco de carne ou tendão. Era só colocar as placas de metal. Mas a tava de Don Facundo era diferente. Era prata pura.

A terceira. Já beirava a casa da alucinação. Se soubesse do falecimento de algum vivente, cuja viúva fosse relativamente jovem e bonita e com as carnes em dia, lá estava Don Facundo no guardamento, se fazendo de velho conhecido do finado, se colocando à disposição da viúva. Sempre prestativo, encomendava a missa de corpo presente, se a viúva não tinha condições de pagar o caixão, providenciava imediatamente um, coroas de flores e até se postava ao lado da viúva consolando-a, como se fossem velhos conhecidos.

Em uma destas suas idiossincrasias a jovem viúva, por sinal bonita, loirona, olhos verdes, cabelos suaves e cheirosos (isto segundo Don Facundo), com um corpo escultural, vestida de preto dos pés a cabeça, perguntou-lhe se conhecia o finado? Conhecer? Muito mais que isto. Nós éramos praticamente irmãos. Mas o destino fez com as nossas famílias se separassem e nós só sabíamos um do outro, quando ele me escrevia um bilhete ou uma carta.

A viúva, boquiaberta não acreditou. Mas ele não sabia escrever. Como é que iria lhe mandar bilhetes e cartas? Sabia sim. Lógico que sabia. Não da forma como nós estamos acostumados a fazer. Por exemplo, no caso de um bilhete, ele mandava um pelego curtido. No caso de carta, mandava um laço de sete braças. Isto queria dizer que tudo estava indo muito bem. Mas quando as coisas estavam indo mal, ele mandava um par de pederneiras. Como foi desta última vez, quando ficou doente e veio a falecer. A viúva não acreditava. De fato o finado era um excelente artífice na arte de trabalhar os couros. Dava uma forma de vida em cada laço, cabresto, rebenque, rédeas e pelegos. Mas como Don Facundo, conseguiu se safar destas? Simples, antes de entrar na casa, mas precisamente na sala onde estava sendo velado o dito cujo, notou que a selaria estava com a porta entreaberta. Discretamente abriu a porta, entrou, olhou, apalpou e tomou pé da situação. O finado era um excelente profissional. Olhou na gavetinha onde deveria estar algum dinheiro e nada encontrou. Não que viesse a pegá-lo, mas só por curiosidade. Mas o que o deixava mais assanhado, era quando encontrava uma viúva, jovem, bonita, com poucos anos de matrimônio e sem filhos. Aí sim. Era chimarrão com açúcar e leite em vez de água. E foi justamente o que aconteceu.

Finado enterrado. Viúva a ser consolada.

Com desculpas que teria de tratar de alguns negócios, como a compra de uma tropa de éguas e alguns bois invernar, Don Facundo permaneceu na localidade até dia da missa de sétimo dia. Era o tempo necessário para amadurecer seus planos. Alguma visita pontual sempre se oferecendo para alguma ajuda necessária, como encontrar quem administrasse a selaria, receber algumas contas e pagar fornecedores.

Terminada a missa, todos foram se retirando e tomando rumo das suas casas. Era uma tarde chuvosa e se prontificou em levá-la na sua velha, mas confortável Rural Willys, com tração nas quatro rodas e com reduzida. O trajeto foi interrompido, pela existência de uma ponte que ameaçava cair. Desceu, olhou, voltou, aproximou mais a Rural da ponte. Agora com os faróis acessos, conseguiu analisar com mais precisão se havia algum perigo ou não. A estas alturas dos acontecimentos estava todo molhado, pela chuva que caia copiosa. E de repente, acontece algo, digamos que pensado. Escorregou e caiu em uma poça de água. Ficou praticamente enlameado. A viúva a estas alturas estava um tanto preocupada com a situação. Mas aos poucos foi se acalmando e até um riso maroto, surgiu ao ver o “quase irmão” do finado se espatifar na lama. A ponte foi transposta. A casa agora de certa forma, um pouco vazia, apresentava um ar de solidão e desconsolo. A luz do lampião iluminou a sala, onde antes se encontrava o “quase irmão”, a mesa agora com um vaso branco, com algumas flores de plástico e a fotografia do finado, com um detalhe, de terno e gravata, dentro do caixão. E foi quando a jovem viúva se deu conta que o “quase irmão” do finado estava todo molhado e sujo de lama. Qual a saída? Providenciar um banho quente, uma toalha e ...como fazer com as roupas molhadas? Ou ainda, a solução mais drástica. Agradecer pela carona e dar a entender que já anoitecia e que iria se recolher, Mas alguma coisa a fez mudar de opinião. Um homem refinado, gentil, solícito, sempre disposto, coisa que o finado não era dado a estas finuras. Acendeu mais dois lampiões Petromax a querosene e então tudo ficou mais claro e pode então ver em que estado se encontrava Don Facundo. Providenciou duas chaleiras de ferro, com água quente. Encheu o chuveiro do tipo “Tiradentes” até a metade com água fria e aos poucos foi colocando a água fervendo, até deixar uma temperatura agradável. Içou o chuveiro “Tiradentes”, amarrou a corda no prego e chamou o “quase irmão” para tomar banho.

Banho? Mas não se preocupe com tal incômodo. Vou correr o trecho, que já é hora as corujas começarem a caçar os ratos do campo. Não senhor. Está que é uma lama só. Pode até “engripar” com toda esta chuvarada. O banho já está pronto. Aqui está uma toalha de pano e lá tem um sabonete “Gessy” novinho, sem uso. Mas não adianta tomar banho. Estas roupas estão todas molhadas e sujas.

Homem de Deus. A água está esfriando e vai ficar pior se não fores tomar o dito banho. As roupas sujas, eu já vou lavar e depois por para secar no varal em cima do fogão de lenha. Vai ficar com um pouco de cheiro de fumaça, mas pelo menos ficam limpas e secas.

Não havia como recusar tal tipo de oferenda. Banho quente e ainda com sabonete Gessy, novinho de primeiro uso.

Mas então surgiu uma nova situação. Se a viúva lavasse a roupa e a pusesse para secar, com que roupa sairia do banho? Voltou à carga e indagou: Mas que roupa vou vestir? Se estiveres pronta a lavá-las e depois secá-las no varal do fogão a lenha? Como ficarei eu? Não te preocupes, tenho já separada uma calça, uma cueca e uma camisa, do finado, que por sinal tinha quase o mesmo tamanho e corpo igual ao seu. E logo apareceu com as mudas de roupa. Agora não tinha mais como dizer não e tão pouco contestar.

Entrou no banheiro, o chuveiro “Tiradentes” na altura de alcançar a torneira que regulava a saída da água, o sabonete “Gessy”, a toalha de pano e as roupas do finado. Tomou um banho digamos econômico, pois a quantidade de água não passava de 20 litros. Mas o suficiente para se sentir mais recomposto e limpo. E veio então a hora de vestir as roupas do finado, que ainda pareciam ter o cheiro de próprio. A camisa até que era um pouco folgada. A calça. Ainda pelado, colocou-a de lado para ver o comprimento. Um pouco curta. E agora a cueca. A situação ficou confusa. Jamais havia se encontrado em uma situação destas. Usar camisa, calça e até botas ou sapatos tudo bem. Mas cueca de morto era demais.

Ao sair do banho, encontrou a mesa posta, com um espinhaço de ovelha e batatas. Como a temperatura havia caído um pouco, a recém viúva, providenciou um gole de caña uruguaia para esquentar o peito.

Ao findar o jantar só restava então, agradecer e juntar a roupa ainda molhada e ir embora, vestindo a calça e camisa do finado.

A viúva a estas alturas dos acontecimentos foi bastante incisiva. Ir embora com toda a chuva que havia caído e ainda estava caindo? E a ponte? Naquela escuridão, poderia até ocorrer um desastre e a Rural rodar rio abaixo. O melhor era dormir na casa do finado e da viúva. A casa era bem modesta. Uma sala, um quarto de casal, uma cozinha e um pequeno banheiro. Anexo ficava a selaria e o depósito de couros e pelegos curtidos.

Mas dormir aonde? Perguntou Don Facundo. A senhora só tem uma cama de casal.

Veio então a sugestão da viúva. Vamos pegar uns pelegos curtidos e dormes na sala, com umas cobertas de lã de carneiro. Sugestão aceita.

Abriram o depósito e tiraram 12 pelegos bem lanudos e macios. Estava resolvida a dormida de Don Facundo.

Com auxílio de 2 lampiões, que iluminaram toda a modesta sala, foram acomodando os pelegos, um ao lado do outro, até tomar uma forma, digamos de um colchão.

Agachada a viúva ia colocando os pelegos, ajustando para não ficar nenhum espaço. Às vezes de quatro puxava um daqui, outro dali. Vestia agora uma saia rodada, um pouco curta, que permitia uma visão espetacular, quando estava ajoelhada. Don Facundo com a intenção de melhor ajudar, posicionou-se ao lado e ficou lado a lado da esmerada anfitriã, que ao puxar um pelego que estava mais frente, perdeu o equilíbrio e caiu sobre Don Facundo, numa posição um tanto embaraçosa e ao mesmo tempo tentadora.

O clima estava criado, mesmo antes deste acontecimento.

Quando Don Facundo saiu do banho, foi à vez da esposa do finado banhar-se e notou que a cueca que havia juntado com a camisa e calça, estava pendurada no prego. Ficou a pensar e imaginar qual seria a sensação do homem que ali estava ficar com as “coisas” sem proteção. Imaginou como seria a forma e o tamanho. Ficou bastante excitada, a ponto que durante o banho, sentiu uma sensação que nunca antes sentira enquanto casada. Um intumescimento, uma vontade de fazer sexo, a ponto que ao se tocar, masturbou-se de forma intensa até o orgasmo total. A água já quase findando, quente e gostosa foi convidativa para mais um gozo prolongado e imaginativo.

A situação então estava propensa a algo mais excitante. Terminou o banho e não vestiu a calcinha. Queria experimentar a sensação, qual o “quase irmão” estava experimentando.

E então a viúva agora a cavaleiro sobre Don Facundo, sentiu algo diferente e de forte pegada. As mãos firmes e suaves, acariciando suas coxas, sua bunda, levantando a saia e tendo uma visão espetacular daquele cenário. De fato ao ficar sem a calcinha, favoreceu em muito o propósito da viúva. Delicadamente foi tirando a blusa e totalmente nua, Don Facundo foi beijando-a lentamente, suavemente, delicado no toque e excitante na constância, foi aos poucos levando a carente amante aos suspiros e arrepios. As roupas do finado estavam jogadas ao lado. Dois corpos, mudos e envolvidos. Colocou-a de costas e foi aos poucos massageando suas costas, descendo a altura das nádegas e ali ficou massageando com suavidade. Os beijos delicados na nuca, nos ombros, nas costas, na bunda, nas coxas e nas pernas a deixavam louca e trespassada de vontade de se entregar, como se tal já não estivesse em curso. Nunca antes fora explorada, centímetro por centímetro do seu corpo. Jamais fora acariciada, masseagada, beijada, mordiscada, nunca antes sentira a língua percorrer seu corpo e em inclusive sua intimidade e sexualidade maior. O ardor percorria suas entranhas, contorcia-se ante os avanços ritimados e compassados, como que em harmonia pré-estabelecida entre a constância e impetuosidade que o ato em si exigia e buscava. Dois corpos unidos por uma questão de atração, de paixão, de necessidade de recuperar o perdido no tempo, de buscar uma satisfação não pessoal, mas de cunho paixonal e psicológico, uma vez que durante os anos de casamento, fora usada como simples instrumento de prazer do companheiro. Se externasse algum sentimento ou ação mais atrevida seria considerada como vagabunda, china ou puta.

O calor dos corpos envolvidos dava uma visão maravilhosa, sensual e cálida.

Não houve uma interrupção no ato e no fato. Mantiveram unidos os corpos, tamanha a necessidade de extravasar os desejos reprimidos e contidos. As novidades de mãos delicadas percorrendo o corpo e podendo percorrer outro corpo. A situação de figurante estática e sem direito a expressar seus desejos e posições, agora estavam libertos. Participava, opinava, pedia, atuava agora como ativa e quando não até possessiva. Era o desabrochar um pouco tardio da flor mulher, que se doara inteira sem direito a participar da celebração do amor.

E então no momento menos esperado, a jovem amada viúva que até então havia emitido sussurros e gemidos diz : Agora sim conheci um verdadeiro homem. Daqui pra diante você será o homem da minha vida, nunca mais irei me separar de você. Você é tudo o que eu esperei por todos estes anos...

Don Facundo, simplesmente gelou.

Estava fora da estância havia oito dias.

E pior ainda. Deixara sua querida e lindíssima Sônia Maria à frente dos negócios. Embarques de ovelhas, de gado e arroz estavam por sua conta e responsabilidade.

E agora? O que fazer? Havia dito que se ausentaria para sondar umas terras para comprar e um gadario de uns irmanos uruguaios e demoraria uns dias, não mais que oito dias.

E então a angústia tomou conta de Don Facundo.

Como que um filme estivesse passando na sua mente a uma velocidade incrível.

Conhecera Sônia Maria, em uma situação um tanto esdrúxula. Havia comprado uma égua crioula em um leilão e o mesmo havia acontecido com ela. Mas na hora do embarque, trocaram os animais e o que era de Sônia Maria foi direto para a estância de Don Facundo e o contrário por sua vez aconteceu. Dias depois a confusão foi desfeita, mas sem antes conversarem a respeito de cavalos, ovelhas, gado, plantação de arroz e outras coisas. Se despediram com a promessa de uma próxima oportunidade tomarem um longo e quente chimarrão. Coisa que Don Facundo prometera, mas jamais cumprira.

Dizer que foi amor a primeira vista, seria redundância. Ela com seus 23 anos, formada em Economia e Administração. Filha única de um empresário do ramo de transporte de carga e passageiros, além de 2.180 quadras de campo e muito gado e ovelha.

Da parte de Don Facundo , 27 anos sem formação alguma. A faculdade da vida havia lhe ensinado que mais vale a experiência do dia a dia, do que um diploma na parede. Filho único também. Herdara com a morte dos pais, 5.600 quadras de campo e com a morte da avó mais 1.900 quadras, o que somando dava 9.680 quadras de campo, onde criava ovelhas, gado Hereford e plantava arroz irrigado.

Sim. Foi amor a primeira vista.

ROMÃO MIRANDA VIDAL
Enviado por ROMÃO MIRANDA VIDAL em 08/04/2010
Código do texto: T2184900