TRÊS BRONCAS COM MOTEL

Acidentado em uma capotagem de carro, após me ver livre da tala no braço direito e passar pelas encrencas usuais do hospital, combinei com Seu Luís, motorista de táxi que, nas horas vagas, fazia ponto em outro hospital, próximo à minha residência, a fim de me transportar diariamente a uma clínica de fisioterapia, apenas com exceção dos sábados e domingos.

Seu Luís, uma fineza de pessoa, me pegava em casa cinco vezes por semana, isto sendo de ida e de volta, numa missão que durou quase dois meses. Ao melhorar, óbvio, dei mesmo de ir de ônibus, a fim de que o ônus do sinistro me saísse menos salgado.

O motorista do táxi era funcionário público e atuava num posto de saúde do nosso bairro, por sinal um posto bem movimentado e de fama e escama como sendo dos melhores da periferia fortalezense.

Lá um dia, de volta, Seu Luís viu um médico do seu posto de saúde na parada de ônibus e disse: “É o doutor Fulano. Ele está indo pro posto, vamos levá-lo.” O gajo era um sujeito alto, parrudo e já entrou no táxi com cara de quermesse, rindo-se desabotoadamente. E sapecou o fato do dia, às nossas ventas:

“– Luís, eu estou rindo porque vi um caso engraçado, hoje, no IJF” (este, o maior hospital público de emergência de Fortaleza).

E o esculápio descascou o resto do caso hilariante: “– Hoje chegou ao hospital uma senhora toda arrebentada, com várias fraturas, inclusive na bacia. Ela foi para um motel com o vizinho, na BR, e o veículo do dom Juan acidentou-se. Ele só teve leves escoriações.”

O médico prosseguiu: “– Como eram vizinhos, nem deu para esconderem o caso. No final das contas, o marido da mulher foi lá, fez grosso escândalo e disse que não queria a pobre mais nem em pintura.”

Seu Luís e eu embarcamos na alegria maliciosa do caroneiro, evidente que ajudando ao médico na empreitada da galhofa, a cujo estrago, sem dúvida, tratava-se de um caso de algum modo inusitado.

Outro acontecido de que Fortaleza inteira tomou conhecimento, também fora da cidade, na BR que fica para as bandas da terrinha de José de Alencar, foi ainda mais chato, e botem chatice nisto.

Houve um assalto no motel de beira de estrada, assalto do tipo arrastão. E um casal, que mantinha o colóquio lá deles, ficou sem o carro, sem dinheiro algum e, ainda, para completar a tragédia, nus como Adão e Eva vieram ao mundo. Até as roupinhas de debaixo foram surripiadas pelos safardanas fora da lei. Os dois pombinhos ficaram pelados.

Ai, ai, ai, meu povo! Vocês nunca que irão atentar no rebuliço. Aí a coisa não prestou mais para nada!... Um bafafá da gota serena. O fuzuê foi tanto e tão grande que a imprensa, a polícia e as duas famílias envolvidas, no “affaire”, todos juntos, em conclave de paz, tiveram que ir de cara lavada à mesa das negociações. Quase que foram parar na ONU.

Essa pendenga rendeu boas léguas de notícias. Mas se houve algum perdedor, no caso em questão, como vamos saber, se os nomes das partes não vieram a lume e tudo decorreu em segredo de justiça? Bobagem não se dar nomes aos bois; não sei se me estão de acordo.

O terceiro e último arranca-rabo foi recente. Deu-se bem no centro da Capital, ali num daqueles criadouros de pulgas e baratas da Rua 24 de Maio, uma espelunca de motel de quinta categoria. Acreditem. Não iria eu, aqui, inventar esta coisa miúda, como de nenhum modo eu criei nem inventei os dois outros aludidos fatos.

Um coroa de 65 anos, muito ganjento, toca-se no rumo da nojeira de precinho módico da Rua 24 de Maio, claro que sozinho, não, mas puxando pelo braço o seu amaríssimo par, uma ainda verdosa mulher casada de suas 34 primaveras.

Até aí, tudo bem, nada contra essas instituições. Ao contrário, acho-as de excelsa e louvável utilidade pública. Deus me livre de encetar campanhas contrárias a tão elogiáveis entidades da iniciativa privada. Faço isto não.

O diacho foi que o coroa andou em pane, na hora H, essa coisa chamada ansiedade, e não botou a ignição do motor para o devido funcionamento. E a casada, coitada, naquele fogaréu dos 34, achou chatice no parceiro e se lamentou, em protesto: “– Você não dá é no couro!” Metido até a cuca na desfeita, passando por baixo e broxado, o velhusco não contou pipocas. E, lá mesmo, diante dos espelhos do motel, cerziu a faca o corpanzil – ainda em boa forma – da parceira.

Nesse jogo amoroso de êxito nenhum, o placar saiu assim: o gajo de 65 foi forçado a ir bater na porta da polícia por haver esfaqueado a moça de 34; ela, levando a pior, deu com os costados no IJF, lá onde os esculápios cosem barrigas e outras peças do corpo, quando estas saem esburacadas, sejam por quais meios.

Fort., 30/06/2010.

Gomes da Silveira
Enviado por Gomes da Silveira em 30/06/2010
Reeditado em 01/07/2010
Código do texto: T2349902
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