AMARGO FRUTO PROIBIDO

Jatobá, não - Doutor. Viro cascavel. E se não quarei um bamburro de anos vendo o sol nascer quadrado, foi por carência de macho prezador das calças, que não desconversasse depois de me tratar pelo apelido, que arrenego. Do cueiro à escola, donde saí mal garatujando o nome, conhecendo dinheiro e aferindo as horas, que para meu pai dava com sobra para se haver na vida, alembro com folga os brinquedos de boca da noite: cabra-cega, chicotinho-queimado, e, mormente, passar anel. Se a passadeira fosse uma talzinha cor de cuia - meu Deus do céu! aquelas mãos macias e mornas escorregando por entre as minhas... eu ficava tão arrepiado, como quando via meu avô correr a língua pela palha do cigarro.

Eu já vestia calças compridas e não me engraçara ainda com rabo-de-saia. Verdade que em anos mais verdolengos havia abeirado poleiros, com propósitos de vadiagem; mas fora só febre de idade, que logo esqueci pelas idas ao cerrado apanhando jatobá, pequi, articum... A meninada toda se abalava em alarido e correria. Ela era uma capeta no mato. Ninguém alcançava as grimpas primeiro, nem apanhava as frutas mais viçosas. Descobri, por estropício, que tinha uma baita queda pelo bicho mulher, e nunca fiz questã de trepar em árvore. Era mestre em ficar no chão, juntando a panha, ou mais sucintamente arriscando um olho por onde ela campeava, que não era custoso, numa troca de galhos, ela abrir por demais o compasso e eu desfrutar daquele par de coxas roliças, todamente desnudas. Vai, um dia, ainda de papo pro céu caçando ela na folhagem, dei com seus olhos morenos, que era brejeirice e dengo só, a um palmo dos meus. Quando ela quis saber com que eu recheara o bolso da calça, caí o queixo. Vermelho que nem peru, gungunei: “- Jatobá!”. Ela quase bebeu o fôlego de tantas risadas. Daí, sozinha comigo, nunca mais me tratou pelo nome de batistério.

Mesmo ressabiado, por causa de uns pêlos que me apontavam palmo abaixo do embigo, volta e meia me misturava com a meninada miúda, nos folguedos de lusco-fusco. Quando as tardes se encompridavam em lua cheia, mandava o brinquedo de ura - um ficava no pique e os outros se desguaritando pelos quintais; até ver quem seria o derradeiro a ser pego. Não sobrava canto sem menino-homem e menina-mulher escondidos. Ela pegou minha mão e desaparecemos no escuro. Aí, eu soube porque encontravam ela por última de todos. A gente fora parar numa tulha de mantimento, vazia na despensa. Senti a respiração dela bem no meu cangote. Lacei a bicha nos braços, cuidando que ela quisesse escapulir, por conta daquele requebrado - de gata quando a gente corre a mão pelo fio do lombo - que ela aprontou. O ar que entrava pelas fendas das tábuas da tulha era minguado para nós dois. Os beijos sufocados, com cada qual bufando que nem boi de cabeçalho. Cuidei que a saia dela tinha se sungado até a cintura, e para maior regalo afrouxei as calças que se engastalhavam nos meus joelhos. Quando pus fé, a tampa da tulha fora alçada e a pirralhada toda, com ela no meio, festejava, por minha passagem à homência. Recompus-me e saí berganhando as pernas; os ouvidos zunindo como se minha cabeça fosse coreto de cigarras.

Mulher é cachaça. Buço raspado. Fatiota domingueira, que nem sombração varei a noite cabeceando no paiol. Nem cheiro dela. Mal clareou, soverti-me na bate-enxuga e fui quebrar o jejum no curral. Tomei tento que um mascate, e sua tralha de mulas encanastradas, arribara em-antes do alvoroço nos poleiros. Pro almoço, na cozinha, entre cochichos e muxoxos, apurei que o tal viajante não partira escoteiro. Ninguém deitara vistas nela, até então. Fiz que não rasguei. Depois do quilo, furtei um cigarro na algibeira dum agregado e entre baforadas me esqueci pela manga. Sol a pino, por boca duma cozinheira tive notícia de que o viajante não arrancharia longe. Por conta própria enfiei-me no pasto e sem delongas trazia o primeiro animal de sela, que aceitou cabresto. Descuidoso, eu passava justo o rabicho, quando não sei que marimbondo dos infernos pregou uma ferrãozada na anca da besta. Foi a conta. Não sou capaz de precisar o tempo que fiquei de molho na cama. Mas não faltou quem me engambelasse, com estórias de outros que haviam recuperado suas partes de macho. Peta! Me enjoei das garrafadas e simpatias dum curador que esbarrou lá em casa. Foi neca!

Até que um dia, ela mais o tal galego deram as caras. Eu estava nos meus três vezes sete! Escondido, tinha regado os cornos com uma branquinha danada de braba. Topei com eles na sala-de-fora e por pura pirraça, quis porque quis ver a criancinha que ela amamentava embuçada. Foi baixo! Aí, desatinado, mais por conta que ela roera o trato comigo, para quem tivesse ouvidos para ouvir gritei o causo da tulha. Por castigo ela esparramou nas redondezas e alhures meu apelido, que pegou como se fosse praga de reverendo. Mágoas passadas, sou capaz de lançar só com o cheiro daquelas frutas do mato. Rabisteco de galinha nenhuma, também não me atiça mais. Desacredito até de teúda e manteúda que me faça arrastar a asa novamente. Entonces, não me venha o Doutor com patacoada de capelão, pois anjinho eu já sou em dês que o coice do xucro esbagaçou meu jatobá.

dilermando cardoso
Enviado por dilermando cardoso em 30/06/2010
Reeditado em 01/05/2011
Código do texto: T2350485