A Festa Dos Dissimulados

Para que festa? Mais uma vez terei que ficar neste mar sânie de fingimento... Porque o homem tem que ser o pilar! Pilar porra nenhuma! O homem chora; o homem tem sentimentos, desejos, sonhos e vontades, mas ele se demonstra ser o penedo mais firme... sempre... sempre... Parece que não há pausa. Desde à infância ele escuta dizer: homem não chora.

Espertas são as mulheres que choram noites inteiras, porque a manhã renasce mais cintilante para elas e elas fazem do perdido um novo achado. Adeus ao passado; hoje eu tenho um novo mundo, dizem para si.

Chegam os convidados e me cumprimentam com sorrisos céticos, desejando-me felicidades... O que eles querem é encher o rabo de cerveja grátis! Eles nem sabem que o arroz que estão comendo é do último pacote recebido na última cesta básica antes de eu ser demitido; que a mistura que estão comendo é a minha mistura do mês; do único quilo de feijão novo que restou para a minha família. Mas, dão-me sorrisos, apertos de mãos e tapinhas nas costas que ressurgirão só na próxima festa, isso se tiver a próxima festa, se minha mulher não quiser ser mais minha mulher até lá... É que vê-la feliz é o meu fraco... Sempre dou um jeitinho de passar por cima de meus sentimentos como fiz nesta festa. Quanta loucura! Poderia ter esbravejado, falado de meus sentimentos para todos.

Minha mulher prepara o banquete. Faz o melhor que pode. Não posso negar que ela é caprichosa e zelosa com as coisas que faz. Mas, no dia-a-dia eu faço o meu próprio almoço e a minha própria janta, porque ela não tem mais paciência de se doar para mim. E dói em mim tal desdém. Dá sorrisos escancarados para os visitantes. E tudo parece ser muito normal. Ela desempenha muito bem a arte da dissimulação já que não está bem comigo e nem consigo. Aprendera com Satanás?

Talvez a ciência esteja certa ao dizer que, quando sorrimos o nosso organismo produz uma certa substância que trás felicidade. Talvez ela esteja mais feliz à noite... E eu sei que este é um pensamento tolo... Esperança é uma coisa mesmo!

Por outro lado os dois amigos que vieram fizeram mudar o perfil irônico desta festa; porque fizemos uma festa a parte que deixou nossas mulheres mais nervosas do que geralmente são. É que não ficamos no recinto. Fomos para um bar jogar fliperama. Imaginem só: três pais de família saindo de uma festa de aniversário para jogar fliperama, os convidados espalhados pelos cômodos da casa e a mulher do anfitrião se virando sozinha para dar atenção a todos. A gente tomando cerveja e sorrindo à beça, enquanto a minha mulher pedia desesperadamente para alguém ligar para mim.

- Olhe. A tua mulher pediu para vocês virem logo, porque nós já estamos comendo.

- Tudo bem. Já estamos indo. Daqui há cinco minutos estaremos aí.

Quanta tolice! Talvez se não fosse o abismo imensurável entre minha mulher e eu minha alma não estivesse tão sôfrega. Talvez se o coração humano tivesse o que sempre busca (o amor) conseguiria forças para perdoar. Coisa que parece infactível já que somos céticos e o perdão é divino. O que dá a entender é que se perdoarmos estaremos sendo idiotas. Mas, se vivermos co mágoa parece ser muito pior. Aí conseguimos ser orgulhos e não perdoamos.

Mas, o abraço puro que recebi de manhã, fez-me ter força para permanecer neste ambiente (ainda que por um pouco de tempo) hostil, de pólvora por um fio; o sorriso cândido dele não me sai da mente... Então, voltei à festa... por ele, só por ele... fiquei ali, porque só cheguei com meus amigos após todos terem comido. Por amor ao meu filho que fiz a festa dele. Porem, não quis ver os convidados...

Cairo Pereira
Enviado por Cairo Pereira em 27/07/2010
Código do texto: T2402283
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