Tomara que caia

Tomara que caia

— Só pode ter sido olho gordo de alguma invejosa!

— Não acredito nisso; sou médico.

— Bem que eu senti alguém me olhando! Sabe como é, doutor? Aquela sensação esquisita.

— Acho que é impressão sua.

— Então, doutor, me explica como foi que caí?

— Você precisa tomar mais cuidado, olhar por onde anda. Essas coisas básicas.

— Sempre tomo cuidado!

— Isso pode acontecer com qualquer um...

— Mas não é qualquer um que quebra o nariz! Aiiiiii... como dói, doutor!

— É verdade...

— Só pode ser inveja! Sabe como é, doutor? Mulher quando seca a outra... Ai, dói muito...

— Toma esse analgésico que a dor vai passar rapidinho.

— E continuarei esfolada, de unha quebrada e nariz torto! Sabia que pensamento tem força, doutor? Odeio gente invejosa!

Coitada da moça! Caiu na rua e não sabia dizer se tropeçou, escorregou, voou ou despencou; só sabia que tomou um tombo, esfolou as mãos, os joelhos, quebrou três unhas e o nariz.

Era muito bonita — muito bonita mesmo. Com a beleza dinâmica da juventude: cabelos castanho claros com cachinhos caindo pelos ombros, morena jambo, saboneteiras — tão raras hoje em dia —, esbelta, olhos meigos da cor do mel, semblante altivo, de andar agateado e a silhueta parecia desenhada com técnica especial. Para ocultar o melhor da formosura, envergava um audacioso “tomara-que-caia” branco.

Ela descia a rua quando a vi. Parecia que tudo ao redor havia parado e só ela flutuava. Uma voz lá no fundo da minha mente gritava: “Tomara que caia! Tomara que caia!”

De repente ouvi um grito e um barulho. A moça havia caído.

Carlos H F Gomes
Enviado por Carlos H F Gomes em 19/09/2006
Reeditado em 22/09/2006
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