Atendendo a pedidos, publico, abaixo, o sexto capítulo de "O Grilo Profeta", crônica romanceada de minha autoria, ainda inédita, e em fase de conclusão.

Advogado de Judas Iscariotes


Por ocasião da Semana Santa, mais precisamente no Sábado da Aleluia, era encenada uma pequena peça intitulada “O Julgamento do Judas”. Para apimentar a cena da malhação do boneco recheado com bombas, realizava-se antes, o julgamento do traidor. Convocava-se um Juri; um promotor era designado para a acusação e, suplicio dos suplícios para o escolhido, um Advogado de Defesa. O que acontecia era que o tal advogado, sem qualquer argumento para defender tão execrável criminoso, “O Traidor de Nosso Salvador”, acabava, muito desajeitadamente, mais reforçando que combatendo os argumentos condenatórios do promotor.
Geralmente o promotor e o advogado eram escolhidos entre os alunos da quarta série ginasial que era o último curso do Seminário. Os aprovados da quarta série iriam, depois, para o Noviciado, onde cursavam o quinto ano, uma espécie de vestibular que preparava os Noviços para os cursos filosóficos e teológicos. Naquele ano, porém, Ouviu-se um boato de que o escolhido para ser o Advogado do Judas, iria ser um aluno da terceira série. Ninguém entendeu bem o motivo, mas não deixou de ser um alívio para os quartanistas, cada um de per si temeroso de ser escolhido para a abominável função de “advogado de Judas”.
Como havia uma rixa entre terceiranistas e quartanistas o assunto se tornou interessante. Sendo estes, mais adiantados em estudos, estavam certos de que o Promotor, um quartanista, iria detonar o Advogado de Defesa, o pobre terceiranista. Foi acrescentado mais lenha à fogueira quando se descobriu que o convocado, para ser o Advogado, era Tinho, ou “Bezerro Brabo”. Sim; O apelido havia acompanhado Tinho ao Seminário. E nestas horas de confronto não mais existia Tinho. Só se falava em “Bezerro Brabo”, o Advogado do Judas.
Bezerro Brado resolveu não dar moleza para os quartanistas, especialmente para o tal Promotor, dispondo-se a entrar “com tudo” na briga, e dar uns bons coices e umas boas cabeçadas. Lembrou-se de um dito mineiro: “Eu dou um boi para não entrar na briga, mas se entrar, quero uma boiada para sair”.
Pegou a bíblia, e com o seu Grilo saltitando em seus ombros, meteu a mão na massa. Iniciou pela leitura dos textos do Evangelho que falavam de Judas.
Ao checar os textos de cada página com os textos citados pelas referências nos rodapés das mesmas, aquele Grilo maroto começou a cochichar aos ouvidos de Tinho, chamando sua atenção para algumas contradições. O que! Pode a Bíblia, sendo inspirada por Deus e a expressão da verdade, contraditar-se? Era chocante admitir, mas não tinha como negar, estava bem ali, à sua frente:
1) Como Judas morreu?
a) Ele se enforcou:
Então, Judas, atirando para o santuário as moedas de prata, retirou-se e foi enforcar-se”. (Mateus 27:5)
b) Não! Ele caiu e morreu:
“Ora, este homem adquiriu um campo com o preço da iniquidade; e, precipitando-se, rompeu-se pelo meio, e todas as suas entranhas se derramaram; e isto chegou ao conhecimento de todos os habitantes de Jerusalém, de maneira que em sua própria língua esse campo era chamado Aceldama, isto é, Campo de Sangue.(Atos 1:18-19)
2) Quem comprou o campo do oleiro?
a)Os príncipes dos sacerdotes compraram o campo do oleiro:
E os principais sacerdotes, tomando as moedas, disseram: Não é lícito deitá-las no cofre das ofertas, porque é preço de sangue. E, tendo deliberado, compraram com elas o campo do oleiro, para cemitério de forasteiros. (Mateus 27:7)
b) Não! Judas comprou o campo do oleiro:
(Ora, este homem adquiriu um campo com o preço da iniquidade; e, precipitando-se, rompeu-se pelo meio, e todas as suas entranhas se derramaram (Atos 1:18)
3) Quando Satanás entrou em Judas?
a) Satanás entrou em Judas antes da última ceia: (Lucas 22:1-4):
“Estava próxima a Festa dos Pães Asmos, chamada Páscoa. Preocupavam-se os principais sacerdotes e os escribas em como tirar a vida a Jesus; porque temiam o povo. Ora, Satanás entrou em Judas, chamado Iscariotes, que era um dos doze. Este foi entender-se com os principais sacerdotes e os capitães sobre como lhes entregaria a Jesus
b) Não! Satanás entrou em Judas na última ceia, após comer o pão (João 13:26-27):
...Tomou, pois, um pedaço de pão e, tendo-o molhado, deu-o a Judas, filho de Simão Iscariotes. E, após o bocado, imediatamente, entrou nele Satanás. Então, disse Jesus: O que pretendes fazer, faze-o depressa. “
Tinho deu um tapa um pouco mais veemente no Grilo importuno, enclausurou a razão em sua “Caixa de Pandora”, e, plagiando a covardia e a desfaçatez de Pilatos(ou suas cruciantes dúvidas sobre o assunto), murmurou para si, ou para seu Grilo: “...Que é a verdade? “ (João 18:38).
A seguir elaborou com cuidado sua argumentação e preparou-se para o embate jurídico.
Chegara o grande dia. Armou-se um palco improvisado no no canto direito do pátio do Seminário: Alguma taboas montadas sobre seis tambores de gasolina vazios. As finanças, sempre abaladas pela comilança de 120 adolescentes esfaimados, não permitira gastos com algo mais sofisticado. À esquerda, na outra extremidade uma forca rude fora erguida, sinal de que se esperava a condenação certa do facínora, sem a qual a brincadeira não teria a menor graça.
Em frente ao palco, espalhadas, cadeiras e bancos. Estes “surripiados” um tanto inescrupulosamente da capela, triste, abandonada e chorosa naquele instante, como uma pobre viúva destituída de suas posses, pelas hipotecas do querido finado. Aquelas, as cadeiras, emprestadas da festeira Dona Filô, eram destinadas às ilustres personalidades: O senhor Diretor, o Vigário, algumas irmãs do convento local, os professores e o Seu Birosca, dono do armazém da cidade. Ele era o grande, e não muito tolerante credor do Seminário, a quem convinhas amainar as ânsias capitalistas.
O Diretor, no eterno papel de Juiz, subiu ao palco e convidou os demais atores do espetáculo: O Promotor, o quartanista Cicero Romão e o Advogado, o terceiranista Agostinho Gomes. Os jurados, já previamente qualificados foram convidados a tomar acento nos primeiros bancos. O réu, mudo e compenetrado, um tando ou quanto desleixado em sua postura, era um boneco de pano, em tamanho natural: A calça era a calça de um pijama listado, bem maltratada pelo uso, com alguns remendões costurados muito desastradamente.
A camisa, também com remendos mal costurados, era velha e desgrenhada. Os sapatos, furados e sem sola, não formavam um par: O pé direito 33,o pé esquerdo 44.
    • Com a palavre o ilustre Promotor.
O murmúrio e as rizadinhas cessaram. A voz macia e aveludada de Romão começou a fluir, primeiro timidamente, e depois, mas animada, pairando com uma nuvem morna sobre os espectadores:




“Meritíssimo Juiz, Nobre colega, distintos membros do juri, senhores e senhoras! Serei breve. Olhai para a triste figura ali, no banco dos réus. Seu próprio aspecto o condena. Sua consciência vergada sobre o peso da culpa, espelha-se em seus olhos, seu rosto e em todo o seu corpo desconjuntado.
É como se estivesse dizendo, e de fato está:” Sou o maior criminoso da história. Não há e não quero perdão. Já me condenei a mim mesmo”.
Não quero entediá-los citando Mateus 10:4, Mateus 27:3, Marcos 3:19, Marcos 14:10 , Lucas 6:16 , Lucas 22:48 , João 6:71, João 12:4 , João 13:26 e outros textos bíblicos pertinente ao assunto. Fiquem apenas com o texto seguinte..”


Abriu a bíblia enorme que estava sobre a mesa, no centro do palco, e leu, lentamente, quase soletrando as palavras:
Quando eu estava com eles, guardava-os no teu nome, que me deste, e protegi-os, e nenhum deles se perdeu, exceto o filho da perdição, para que se cumprisse a Escritura (João 17-12)

E continuou, pomposamente, ajeitando o colarinho da camisa:




“Aquele que a bíblia condenou, Deus rejeitou e a humanidade tem execrado por séculos e séculos não carece de qualquer outra argumentação, para ser condenado. Não percamos nosso tempo. Peço para o réu a pena máxima: A morte pela forca!”


Um coro ensurdecedor seguiu-se à última palavra. Urgia acabar com aquela farsa e partir, logo, para o enforcamento e apedrejamento do réu (do boneco), a tão esperada diversão do Sábado de Aleluia:


    • A forca! A forca! A forca!
    • Silencio! Silencio! (todos emudeceram) – Com a palavra o Senhor Advogado.


Agostinho foi até a mesinha no centro do palco.


Vou deixar de lado os cumprimentos ordinários aos presentes, visto que o honrado promotor já se encarregou disto e eu, como ele, não quero entediá-los. O Meritíssimo Juiz me permitiria fazer uma pergunta ao eloquente Promotor?”


Amante de uma boa querela filosófica ou teológica, o Diretor (ou Promotor) concordou:
- Permissão concedida.



Tendo o horado colega, voz e dicção melhores que a minha, poderia, por gentileza, ler para todos nós, amantes das Escrituras, Mateus 7:1-2:”


Cícero Romão, enfunado e envaidecido leu o texto, pausadamente:


Não julguem, para que vocês não sejam julgados. Pois da mesma forma que julgarem, vocês serão julgados; e a medida que usarem, também será usada para medir você”

O meu caro colega, acredita na veracidade e justeza desta palavras, a ponto de afirmar, com a convicção de um futuro pregador da Palavra de Deus: “Faço minhas estas palavras”?

Romão não estava entendo bem onde Agostinho pretendia chegar. Mas mesmo que fosse uma armadilha, nada podia ser feito, já caíra nela. Não podia furtar-se a responder afirmativamente à pergunta. Seria negar a fonte por ele mesmo citada. Respondeu, pois, embora gaguejando um pouco:


    • Sss...sim. Faço minha estas palavras.

Agostinho continuou, entrando com vigor no corpo da argumentação:

Ótimo. Posso, então, aplicar-lhe o provérbio: “Façam o que digo, não o que faço”. E estarei aplicando este provérbio, também, aos jurados, ou a qualquer um neste recinto, que, crendo no mandamento contido em Mateus 7:1-2, pretenda julgar, e condenar um irmão. E não me venham com a afirmação preconceituosa de que Judas Iscariote não é nosso irmão, pois é, e será nosso irmão. E um irmão muito privilegiado: Conviveu com nosso Divino Mestre, privilégio que qualquer um aqui, gostaria de ter tido.”
Mas permitam-me confrontá-los com outro versículo, este mais contundente, pois usa, também, a expressão: Não condeneis. Está em Lucas 6:37:”Não julgueis e não sereis julgados; não condeneis e não sereis condenados; perdoai e sereis perdoados “
“Atentai para as palavras finais:”perdoai e sereis perdoados”. Ficai cientes, todos vós que orais a oração do Pai Nosso. Vós mesmos, e não Deus, estabeleceis o parâmetro, e a medida, para serdes ou não perdoados de vossas ofensas, inclusive desta que estais prestes a cometer:
Perdoa as nossas dívidas, assim como perdoamos aos nossos devedores.”
(Mateus 6:12).
Atentai, mais ainda, para os versículos 14 e 15 que se seguem:
Pois se perdoarem as ofensas uns dos outros, o Pai celestial também lhes perdoará. Mas se não perdoarem uns aos outros, o Pai celestial não lhes perdoará as ofensas”

Há, porém,algo mais a respeito de julgamentos:


a) Há um momento na história, para o julgamento de qualquer pessoa, e este momento não é o presente.
b) Apenas Deus, o Senhor, o único que conhece as coisas ocultas e os desígnios dos corações, pode julgar e condenar. Chamo vossa atenção para os seguintes textos:


a) 1 Coríntios 4:5: “Portanto, nada julgueis antes do tempo, até que venha o Senhor, o qual não somente trará à plena luz as coisas ocultas das trevas, mas também manifestará os desígnios dos corações; e, então, cada um receberá o seu louvor da parte de Deus”
b) Atos 17:31: “porquanto estabeleceu um dia em que há de julgar o mundo com justiça, por meio de um varão que destinou e acreditou diante de todos, ressuscitando-o dentre os mortos”
c) Hebreus 10:30: Ora, nós conhecemos aquele que disse: A mim pertence a vingança; eu retribuirei. E outra vez: O Senhor julgará o seu povo.”


Fica, então, estabelecido que não podemos julgar nem condenar ninguém: porque não nos é proibido, porque nos falta capacidade e porque não nos compete julgar e condenar.


Quero, porém, voltar ao versículo citado pelo nobre colega. Chamou minha atenção, a expressão: “exceto o filho da perdição, para que se cumprisse a Escritura (João 17-12).
A conclusão é Judas não teve escolha: foi predestinado a ser um “filho da perdição” para que se cumprissem as Escrituras. Devemos encarar, aqui, uma controvérsia escriturística interessante: Tem o homem poder e liberdade de escolha quanto à salvação ou perdição?
Vejamos o que afirmou o apóstolo Paulo em Romanos 9:22:”Que diremos, pois, se Deus, querendo mostrar a sua ira e dar a conhecer o seu poder, suportou com muita longanimidade os vasos de ira, preparados para a perdição” . Então Deus, antecipadamente, sem qualquer chance para o homem, antes de ele nascer, pode já tê-lo preparado ou predestinado, para ser um “vaso de perdição”? Um pouco mais adiante, trataremos da questão.
Quero abordar agora uma outra questão interessante: O Eterno e Onisciente Plano da salvação, estabelecido mesmo antes do pecado entrar no mundo:


  1. A nossa salvação só se faria pela morte de Jesus que morreu em nosso lugar, logo a sua morte era indispensável.
  2. Sem sua morte não haveria redenção.
  3. Jesus sabia que ia morrer e como ia morrer.
  4. Jesus escolheu morrer, entregando sua vida livremente (João 10:17-18)
    a) Por amor a humanidade determinou dar sua vida (João 3:14,16)
    b) Era necessário que o Bom Pastor desse a vida por suas ovelhas (João 10:11)
  5. Jesus sabia como, quando e onde iria morrer, e que um traidor seria usado.
  6. Determinado o meio (a traição), Jesus, o autor do plano de salvação, precisava escolher um traidor.
  7. Por um questão de lógica o traidor deveria ser um dos seus discípulos. Isto facilitaria as coisas.
  8. Jesus escolheu Judas, livremente e o com o conhecimento de causa de quem conhece os o coração de os pensamentos humanos (Mateus 9:4, Lucas 5:22).
  9. No plano Eterno da Salvação Judas estava inserido, predestinado para ser o traidor.
  10. Poucas horas antes de sua prisão, na última ceia, Jesus ordenou a Judas que se apressasse em fazer o que tinha de ser feito: “O que pretendes fazer, faze-o depressa”. (João 13:27)
  11. Logo, Judas não teve escolha, se não obedecer.
  12. Deus não pode condená-lo por ter cumprido fielmente o papel para o qual fora destinado a desempenhar ao lado de Jesus, desde antes da fundação do mundo(1 Pedro 1:2);
  13. Jesus não podia condenar Judas, Porquanto Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para que julgasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele” (João 3:17).


Logo Judas não foi e não poderá ser condenado, por fazer algo, para o qual, à revelia de sua vontade, fora “predestinado” a fazer.
Voltemos agora a questão da predestinação. Vejamos que diz a bíblia, sobre faraó:


  1. Êxodo 4:21 : mas eu lhe endurecerei o coração, para que não deixe ir o povo”;
  2. Êxodo 7:3 : ”Eu, porém, endurecerei o coração de Faraó e multiplicarei na terra do Egito os meus sinais e as minhas maravilhas”;
  3. (Romanos 9:17 :”Porque a Escritura diz a Faraó: Para isto mesmo te levantei, para mostrar em ti o meu poder e para que o meu nome seja anunciado por toda a terra”;

“Agora, coincidentemente, vou citar o versículo que o nobre colega citou, para condenar judas. Só que vou citá-lo, para absolvê-lo!”
Todos voltaram-se curiosíssimos para ver aquele “milagre”. E
Agostinho leu:



Quando eu estava com eles, guardava-os no teu nome, que me deste, e protegi-os, e nenhum deles se perdeu, exceto o filho da perdição, para que se cumprisse a Escritura (João 17-12)

“Chamo a atenção de todos para a afirmação: “exceto o filho da perdição, para que se cumprisse a Escriturae destaco:”para que se cumprisse a Escritura.
Conclusão: Para que se cumprissem as Escrituras, Judas, quisesse ou não, precisava trair Jesus. Judas, como Faraó, foi apenas um vaso escolhido por Deus. Os vasos são uteis, necessários e mesmo indispensáveis, independentes de sua finalidade, e precisam ter seu valor reconhecido. Afirmemos com São Paulo:


Que diremos, pois, se Deus, querendo mostrar a sua ira e dar a conhecer o seu poder, suportou com muita longanimidade os vasos de ira, preparados para a perdição a fim de que também desse a conhecer as riquezas da sua glória em vasos de misericórdia, que para glória preparou de antemão”(Romanos 9:-22-23);


Notem que Deus usa “vasos de ira, preparados para a perdição” , para através destes dar a conhecer as “riquezas de sua glória” no vasos de misericórdia, e que ambos são preparados de antemão, isto é, predestinados.
Ora, o oleiro prepara vasos de honra e de desonra para serem utilizados em sua casa, sendo ambos igualmente úteis, necessários, e indissipáveis, sendo frequentemente, os vasos de desonra mais úteis que os de honra, muitas vezes meros enfeites. Proponho aqui uma questão:
O vaso de flores é um vaso de honra. O vaso sanitário é um vaso de desonra. Quebra-se o vaso de flores. Resultado: apenas tristeza e decepção. Quebra-se o vaso sanitário. Resultado: O caus. O Desespero. Qual é mais útil no lar? O vaso de flores ou o vaso sanitário?
O que é certo? O que é errado? O que é honra? O que é desonra; O que é salvação? O que é perdição? O que representam estes termos no dicionário de Deus?


E mais: Judas era um membro do Corpo de Cristo, e tendo desempenhado seu papel nesse corpo, no Plano da Salvação da Humanidade, pertence à “Igreja Invisível”. Citemos Paulo, novamente:


“O certo é que há muitos membros, mas um só corpo; Não podem os olhos dizer à mão: Não precisamos de ti; nem ainda a cabeça, aos pés: Não preciso de vós. Pelo contrário, os membros do corpo que parecem ser mais fracos são necessários; e os que nos parecem menos dignos no corpo, a estes damos muito maior honra; também os que em nós não são decorosos revestimos de especial honra. (1 Coríntios 12:20-23)
Destaquemos, porque pertinente: ”e os que nos parecem menos dignos no corpo, a estes damos muito maior honra”.
Fiquemos, pois, com o Apóstolo e demos a Judas, a honra que lhe cabe, no Corpo de Cristo.


Podemos conceituar como crime, um ajuste entre amigos? O que disse Jesus no jardim das oliveiras? Vendo a dúvida e a incerteza nos olhos de Judas, abraçou-o, e cochichou-lhe aos ouvidos:” Amigo, é com um beijo que deves trair o Filho do Homem”.

Judas foi um herói. Mesmo sabendo que seria execrado por toda a história do cristianismo, como um facínora, ele, obediente às ordens de seu Mestre Jesus, carregou sua cruz até o fim. Se ele se negasse a cumprir o seu papel o destino da humanidade seria outro: a perdição.
Peço, pois, a absolvição completa e incondicional do réu

E arrematou com um pouco de latinório, para impressionar os jurados:


nolite judicare ut non judicemini “
in quo enim judicio judicaveritis judicabimini et in qua mensura mensi fueritis metietur vobis”.
(“Não julguem, para que vocês não sejam julgados. Pois da mesma forma que julgarem, vocês serão julgados; e a medida que usarem, também será usada para medir você” )
(Mateus 7:1-2)

Houve um reboliço e um zunzunzum entre os assistentes. Os jurados estavam sem saber o que fazer. O Diretor (O Juiz) estava pensativo. Criara-se impasse. Recolheram-se os sete jurados a sala para de votação. Após uns cinco minutos, retornaram. Aristides, o represente, vinha com uma folha na mão, com o resultado.
O Juiz (o diretor), fez a a pergunta de praxe:
    • O distinto corpo de jurados chegou a uma conclusão:
    • Chegamos, meritíssimo.
Aristides estendeu a folha para o Juiz, que a leu pausadamente, um tando contrafeito:
    • O réu foi absolvido. Cinco votos a favor, um contra e uma abstenção.
Ouve um grande silêncio. Era óbvio que o réu não contava com a simpatia dos presentes. Mas, certamente, havia, pelo menos no momento, ao lado de Agostinho, outros cinco “rebeldes”. Ainda bem que se achavam escondidos sobre o véu do “voto secreto”.


Era preciso, porém, executar Judas para que a brincadeira do enforcamento e apedrejamento pudessem ser realizadas.

O Diretor levantou-se afinal, e, um tanto sem jeito, pigarreou:
- Cristo, sendo inocente, foi condenado. Cristãos inocentes em todas as épocas foram condenados. Há aqui, uma situação simbólica, não real. Ante a primorosa performance de seu Advogado, absolvemos Judas. Condenemos, porém, o Boneco, esse sim, irremediavelmente predestinado a ser condenado, pois “o espetáculo não pode parar”.
    • Ao enforcamento e ao apedrejamento!
    • Ao enforcamento e ao apedrejamento, gritaram todos, correndo atrás das pedras.
Sebastião, o das “galinhas bastianais”, postara-se muito compenetrado, ao lado da forca, com a corda nas mãos, aguardando o sinal, nem um pouquinho encabulado com a missão de carrasco. Certamente veio-lhe a mente a referência feita por Tinho, o Advogado de Judas, ao citar João 13:27: “quod facis fac citius“ (“O que pretendes fazer, faze-o depressa”).

E assim, pela primeira vez, após anos de encenação da peça “O Julgamento de Judas”, ele foi absolvido. Porém seu boneco, porque necessário, foi condenado, pois, como dissera o Diretor, fora para isto, “irremediavelmente predestinado”.