A correnteza e o mandacaru

Mas que sertão quente... Às vezes me pergunto por que será que as pessoas escolhem lugares tão áridos para viver. Não seria mais fácil escolher um lugar com temperaturas mais amenas, um lugar onde a chuva cai periodicamente? Pois é... E quem vai morar no sertão, quem vai criar os bodes e carneiros. E a jabuticaba, o licuri – típicos das terras áridas, assim como a fruta do umbu e tantas outras coisas saborosas que somente o sertão nos presenteia... O pôr do sol detrás do morro, rara beleza.

Confesso que além da aridez do sertão que tenho de aceitar e ainda agradecer a Deus, de joelhos, é também da escassez dos bolsos de papai que tenho de conviver. Ah! Os bolsos até podem estar vazios, mas o coração... Este transborda de amor, de doação, de caridade mesmo... Êta homem porreta. Com ele não tem moleza não... Se é pra ir: vamos. Sou forte sou de raça, vou na caatinga e trago a caça. “Comer puro” isso não, jamais.

E chega o mês de setembro... Chuva? Nada. Outubro, novembro... Nada. Do pasto na destoca ou na roça cuidando da plantação de mandioca, sob um sol de quarenta graus, aproveitando a sombra da laranjeira, do umbuzeiro e até do mandacaru para se esquivar do sol que entra pelo buraco rasgado na camisa feito pela cerca de arame farpado, deixando uma marca pequena apenas naquele lugar, de tão forte a quentura chega a descascar a pele. Peguei e não vi. Até minha mãe tão atenta e aplicada aos seus afazeres se deixou passar despercebida. Poderia ter evitado esta ferida.

Dezembro, com um vento que ameniza o calor onde somente depois das quatro horas da tarde se pode pensar em sair de casa para a lida, o sol já não arde. Apartar os bezerros das vacas que dão leite para o sustento diário, esse trabalho é indispensável, tem de fazer, é imperativo. Na quinta feira o dia já amanhece com um céu escurecido, lá pra longe parece chover. - Oba! Lá vem água - pensei. A expectativa é grande que mal podia esperar para aproveitar as corredeiras de água, as goteiras para o banho de chuva. Imagine meu pai... Quantos planos para a vinda do “tempo bom”, das trovoadas. Mas ainda não foi dessa vez que a chuva veio, apesar dos trovões e dos baldes distribuídos na casa onde a pingueira é certa. Mesmo pouca, é impossível evitar porque os gatos brigam e namoram sobre o telhado.

Depois de uma noite debaixo de um cobertor mais grosso e dos sustos pela claridade que entra pelas telhas de vidro e as falhas nas telhas que cobrem a casa e não deixam ninguém dormir.

Finalmente ao amanhecer já começam os preparativos para esperar a chuva novamente. Lá pelas tantas do dia, eis que cai uns raios lá longe e na seqüência fortes trovões que apavoram. Mamãe logo corre para cobrir os espelhos da casa e guarda os talheres nas gavetas dos armários.

Meninos correm aqui, vamos ali. – diz meu pai. Vamos abrir uma correnteza que faltou terminar, senão as águas que vão descer para o tanque vão se espalhar pelo pasto. Corre que vem água e não temos muito tempo. – Conclui.

- Mas e nós podemos ir com uma chuva forte assim? - Indaga o mais atrevido. Sem papai saber que era pura enrolação, pois ele tava mesmo era doido para cair na chuva. Mas de que chuva estamos falando? Ainda era uma garoa e ventos fortes. A temperatura da terra ainda não estava preparada para receber as chuvas. Tudo era apenas uma escuridão no céu e fortes trovões. Corre para a correnteza e com enxada na mão que mal conseguia segurar com firmeza a enxada, o sulco no chão era desenhado aos poucos. A chuva foi caindo e escorrendo pelo curso determinado por nós para mais tarde, encher o tanque.

Antes mesmo de terminar, de repente caiu uma chuva de granizo que parecia uma chuva de pedras sobre nossas costas, doía muito. Bendito mandacaru que nos acolheu sobre seus espinhos e galhas sem copa, onde pelo menos por uns dez minutos nos deu cobertura. Tão logo parou de cair os granizos começou a correr água, muita água pelas correntezas enquanto corríamos pra cima e pra baixo, descalços, chupando gelo e com o chapéu de palha cheio chegamos a casa perecendo pintos molhados e cheios de alegria pela chuva, pela colheita das pequenas pedras de gelo onde mais logo foram aproveitadas para esfriar um suco que já tava nos esperando no pé do pote como recompensa pelo trabalho realizado. Que saudade!