A Morte da Burra Russa!...


Caros Amigos e Leitores,
Ao fazer uma revisão neste texto em "Biografias" eu achei por bem transferir-lo para a secção de Contos e "Causos" pelo fato de o mesmo constar do meu Livro com o Título "Curriças de Caravelas - Trovas Comentadas" cuja publicação actualizada está agora disponível através do site www.clubedeautores.com.br  (EDITORA AGBOOK NA VERSÃO IMPRESSA OU EM PDF EBOOK) - e nele eu transcrevo  uma pequena parte do que foram os meus primeir os anos de vida na Aldeia em Trás-Os-Montes até à idade de 13 anos quando me tornaram Emigrante pela primeira vez.

Assim eu entitulei isto pelo nome de "A Morte da Burra Russa" justamente porque o evento me aconteceu lá na Ladeira da Freixedinha que fica no caminho entre Caravelas e Mirandela

A Ladeira da Freixedinha  ( Parte XXVII)

Lá do alto dos Tojais,
nós avistamos a “Mirandela”,
No lombo dos animais,
íamos à Vila, com ou sem Sela.

Foi ali na Freixedinha,
onde me morreu a Burra Russa; (*)
Ele era,... já quase à noitinha!,
- Morreu, porquê ela comeu a urze!?...

(*) Este episódio aconteceu lá pelos idos do inverno de 1958 ou 59 no tempo da apanha da azeitona e o incluo aqui apenas como  um pequeno trecho de uma crônica alusiva ao tema já publicada algures em um dos meus outros espaços virtuais!
... Eu era garoto ainda, e a minha mãe me mandou de Caravelas a Mirandela, levar a merenda dos meus irmãos que andavam a trabalhar na apanha da azeitona. – Estávamos em pleno mês de Janeiro com uma temperatura divinal de uns 10-12 graus às 10 horas da manhã! Foi quando partimos do Largo na frente do Adro da Igreja - eu e mais uns 4 ou 5 rapazes, cujos nomes já não me lembro muito bem mas que moravam no Fundo do Povo - fomos a cavalo dos respectivos Jericos, com os alforges dependurados na garupa.
A ladeira depois do Vale da Parada e até à Freixedinha, era sempre a descer e lá chegámos mais ou menos em ritmo de "fórmula Um" atrás do outro!...
Já completamente fora de embreagem, e com os motores a darem ratés por dá cá aquela palha - que era o alimento combustível preferido da “escuadria” jeguial Caravelense naquela época do ano!
Uma gabela de feno na manjedoura durante a noite, onde ás vezes dava vontade de deitar pelo perfume que vinha do palheiro, e prontos, a Burra Russa estava pronta para mais uma corrida.
Na volta para casa, isto depois de descarregarmos as merendas da semana, nós enfrentámos a subida da ladeira da Freixedinha, e num planalto de uns 500 metros de extensão aproveitámos para disputar a corrida do dia,... E... foi lá pelas tantas quando o meu Jegue -* (era fêmea já entradota na idade a que chamamos aqui de “Burra Russa”, sem ofensa para os outros Burros sejam comunistas ou não!) começou a falhar do carburador.
- Fiz sinal para a esquerda e encostei no estacionamento do lado direito.
Ela - a Burra Russa – coitada!, já a botar espuma pela boca, e eu continuava a cavalo dela, aos chutos e pontapés para a fazer voltar a correr, pelo menos andar... mas nada!
Antes de se deixar cair para o lado, ela ainda teve alento para comer umas espigas de arçã na beira do caminho.
- Eu dei-lhe ainda mais umas “jasteiradas” para ver se me aproximava do último colocado que acabara de me ultrapassar mas, não deu certo!
Ela - a Burra Russa - coitada, repito; desabou das 4 patas de uma vez só, e virou-se para mim com o olho já meio revirado e disse: ó paaá!, desculpa lá mas eu fico por aqui mesmo.
Só tive tempo de tirar o pé debaixo da albarda e fiquei ali a chorar enquanto os outros já tinham chegado ao cimo da ladeira, onde pararam ao avistar o meu Irmão Bernardino que vinha também para se juntar aos outros lá em Mirandela.
Tirou-lhe a albarda e me encavalitou na garupa do outro rapaz que me levou só até ao fundo do povo. E dali até nossa casa tive que a levar eu mesmo!
Imaginem a minha mãe ao ver-me entrar no "canelho" com a albarda às costas e aflita a perguntar o que aconteceu?!
No dia seguinte, com uma pá e picareta, foram lá os outros irmãos a abrir uma cova na beira do caminho da Ladeira da Freixedinha para a enterrar.
Assim morreu a minha “burra russa” no caminho de Mirandela e eu a cavalo dela.
- Qualquer semelhança com a realidade é pura verdade!
Eu chorei por ela, como qualquer um chora nessa idade, chora pelos seus animais de estimação!
Mas naquele dia eu chorei mais por causa da humilhação de sair de casa em cima da albarda e voltar para casa debaixo dela!
Só sentimos falta das coisas e das pessoas (mesmo sendo animais burros ou inteligentes...) quando as não temos mais ao alcance da mão.
Agora me digam em sã consciência: qual a diferença entre o prazer de um dia poder subir a ladeira da Freixedinha a cavalo daquela ou outra burra russa qualquer, e o elevado momento de abrir a porta de um "Testa Rosa" para dar uma voltinha!... nem que seja ao quarteirão da minha rua onde moro hoje depois de mais de 60 anos da morte da Burra Russa!!??

A Apanha da Azeitona( Parte XXVIII)

Era um tempo muito invernal,
quando se apanhava a azeitona!,
Botei a galope o animal,
- que não agüentou a “ladeirona”!

Eu era tão pequininho,
e fiquei muito assustado,
A burra caiu devagarinho,
- que até a “albarda” me ficou de lado. (24)

(24) A “albarda” ou sela do animal, era utilizada para montar e também para carregar o animal, na maioria burros, machos e cavalos. Porém estes (0s Cavalos) eram mais utilizados apenas para cavalgar distâncias maiores, entre as aldeias e vilas da região.
O Ti Zé Artur chegou a ir a pé, até ao Mogadouro, para de lá trazer uma “potra” preta de ano e meio, que tantas vezes me derrubou, nos caminhos da “sarnada” porque eu montava nela sem usar a albarda,... mas, que nós todos adorávamos por ela ser práticamente indomável
- Quando iamos na estrada, era só a ele quem ela obedecia.

A morte da Burra Russa ( Parte XXIX)

O meu irmão deu-me ‘ua “surra”,
e eu voltei p’ra casa arrasado !
Fui a Mirandela na Burra,
e “xiguei” em casa albardado.

Não sabem os de lá da Vila,
qual é mesmo a tal da distância;
Eu diria que é mais de uma milha,
bem comprida!, perdi lá a minha infância.

(Texto extraído do Livro: “Curriças de Caravelas – Trovas Comentadas”)
Autor: Silvino Potêncio
Silvino Potêncio
Enviado por Silvino Potêncio em 01/12/2010
Reeditado em 23/05/2020
Código do texto: T2647331
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