História de um nome
História de um nome
Lá pelas bandas da Rua do Sertão ouviu-se o estouro do caramuru de três morteiros. A julgar pelas horas só podia ser anúncio de parição. A cidade amanheceu sabendo que a população havia crescido. A vizinhança então sabia, inclusive, que o novato era um menino, porque os foguetes foram estourados em frente à porta da rua. De manhã, casa cheia de parentes e amigos.
Mãe-Nana, a avó, que havia enfrentado uma viagem de horas no lombo de um cavalo só pra pegar o moleque, regia o evento com se fora um maestro regendo a orquestra. Os franguinhos, chocados especialmente para o momento, aguardavam na fila do abate. Claro. Durante dias a mãe comeria apenas pirão de frangote caipira. O primeiro já estava debaixo da gamela esperando o fatídico momento. O pai, orgulhoso que só, preparava a losna para dar sabor à cachaça que marcaria a visita de cada um dos amigos. As comadres entravam e saiam do quarto onde a mãe, ainda fragilizada pelo grande esforço empreendido para completar o milagre, esforçava-se para dar atenção a todas. Entre um cochilo e outro, respondia a perguntas repetidas. Lá fora, entre uma losna e outra, a conversa rolava solta.
Foi nesse clima que Sinhazinha, a prometida madrinha de consagração, chegou perguntando pelo Miguelzinho. Um dos presentes apontou para dentro:
Ele foi lá dentro buscar mais pinga.
- Pinga?! - retrucou Sinhazinha assustada- . Onde já se viu alguém servir pinga no dia que nasce?
Nesse momento o pai que havia escutado a conversa, entrou na sala dizendo:
- Ora, você chegou perguntando pelo Miguelzinho e não pelo menino.
- É claro que o nome do menino tem que ser Miguel. Afinal ele nasceu no dia do santo. - disse Sinhazinha.
- Ah! Não. – replicou o pai. – o menino vai se chamar Sebastião.
- O que?!- indignou-se Sinhazinha - Isso é um desrespeito que eu não vou aceitar.
- Escuta Sinhá. Isso já estava resolvido com a mãe, desde quando nasceu a última filha. -replicou o pai- Além do mais, já tem um Miguel na família.
- De jeito nenhum.- insistiu Sinhazinha- Você pode dar o nome de Sebastião para o próximo menino. Mesmo se vocês teimarem em colocar outro nome, eu vou chamar este menino de Miguel.
- Eu não faço questão.- disse o pai- mas você terá que convencer a mãe.
- Deixe que eu falo com ela.- afirmou Sinhazinha um pouco mais tranqüila.
Enquanto Sinhazinha conversava no quarto, quartos e quartos de cachaça com losna iam deixando os litros e se acomodando nos estômagos e nas cabeças das visitas que, embora tivessem vindo ver a mãe e sua cria, ficavam ali pela sala mesmo. Eis que sai Sinhazinha do quarto:
- Pronto, compadre! Já resolvi com a mãe. Pode ir agora mesmo registrar o menino. Fizemos um acordo. Ela aceita por o nome de Miguel, mas quer acrescentar Gisélio.
O pai, que de tanta alegria já estava com a língua um pouco enrolada, perguntou:
- Gis... o quê?
Ao que a escolhida madrinha respondeu:
- Gisélio! O menino vai se chamar Miguel Gisélio. Vá compadre. O cartório é perto, as visitas ficam aqui, e logo o senhor vai estar de volta.
O pai sai da sala tentando repetir a novidade.
- Miguel Gilnésio... Gilésio... Miguésio...
No percurso entre a casa e o cartório, muito pessoas abordaram o pai para cumprimentar, perguntar pela esposa, pelo novo herdeiro. Afinal, não havia na cidade quem não soubesse do nascimento de um novo habitante para aquela pacata cidade. Não à toa, chegou ao cartório com a memória bastante evaporada. Ao tentar informar o nome do rebento ao tabelião, não havia sequer resquício daquele estrangeirismo proposto pela mãe. Por mais que tentasse, o nome Gisélio não lhe vinha à Cabeça. Ele tentando, e o tabelião esperando. Saiu à porta e comparou a distância até a sua casa com a bambeza das pernas e decidiu:
- Sabe duma coisa, seu tabelião? Minino é que num vai faltar. Esquece esse tal de nome novo que a mãe arranjô. Fica pro próximo. Além disso, um bruguelo bonito como aquele tem levar é o nome do pai mesmo.
Como daí em diante só nasceram meninas, o nome Gisélio ficou sendo apenas o motivo para contar esta história.
Ufa!