Lembranças da Roça

Lembranças da Roça

Tinga das Gerais

Levantar cedo no interior é sinônimo de saúde e os mais antigos preservam esta cultura e fazem dela um ritual.

Seu Raimundo do Bento, homem já bem maduro e que é uma fruta que não cai, pois, por ser o maestro da família, nas primeiras horas da manhã, já está de pé, ora em sua janela apreciando o nascer do dia ou na feirinha para comprar as verduras frescas da roça e também pra lembrar da gostosa vida que levava.

Eu por minha vez, o encontro quase que rotineiramente, pois, ao me espelhar em meu pai, também gosto de acordar bem cedo e ouvir a sinfonia dos pardais, que tanto me inspira, me faz refém da sutileza e magia das Minas Gerais.

Um dia desses o encontrei e puxei logo a prosa:

- Bom dia Seu Raimundo! Ta levando um franguinho pra panela hein!

E ele calmamente:

- Dia!É moço!Vou levá pra mode fazê um cardo num sabe!

E alembrá da roça!

Quando disse aquilo logo percebi que seus olhos marejaram e aquilo foi motivo pra esticar a toada da prosa.

E:

- O senhor saudades de lá Seu Raimundo?

Passando a mão por sobre a face me respondeu:

- Óia moço! De lá eu vim acreditano em promessa farsa e vendi tudo que tinha pra mode ficá aqui nesta serva de pedra e hoje a muié tá fraca e com uma tar depressão quereno vortar po sertão.

Aquilo me fez calar por instantes para dar tempo do Seu Isidoro engolir a seco e enxugar as lágrimas.

Continuando a prosa o perguntei:

- Por que não voltas pra roça Seu Isidoro?

Ele deu uma pausa e:

- Moço!Hoje num posso vortá, pro mode que a lei do home me inguliu, mais, vô dizê uma coisa:quando eu saí daqui dessa terra, quero um pedacinho de chão na bêrada do Rio do Céu e minha álima filiz discansano, perto da serra do repôso e peço a Deus que ninhum home farso entre lá pra mode fazê esse humirde rocêro chorá!

Naquele momento fui tecendo a prosa, desenhando o rumo da vida do Seu Isidoro e lembrei daquele Plano que fizeram muitos venderem suas terras e vir pra cidade,enganando a todos.

Ele me olhou com os olhos vermelhos e despediu-se de mim,somente com o gesto da cabeça.

Eu prossegui a minha caminhada e em cada janela, olhares e na maioria das vezes pessoas idosas e tristes e reféns daquela lei.

Bem,espero que o Seu Raimundo possa conseguir um pedaço de terra mesmo aqui na terra,pois gostaria de poder visitá-lo e bater um dedo de prosa e vê-lo chorando,mas. de felicidade!

Quanto as leis dos homens,espero que eles sejam sensatos e não devorem sonhos,e deixe o doce matuto ser feliz!

Inté!

Tinga das Gerais

Mestre Tinga das Gerais
Enviado por Mestre Tinga das Gerais em 19/02/2011
Reeditado em 14/06/2018
Código do texto: T2801347
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