Brava Gente Brasileira

Brava Gente Brasileira

Hoje vou contar a história de três brasileiros natos. Seus nomes: João Carlos de Souza, Maria José Oliveira Silva e Ismael Felipe de Almeida.

João Carlos, 41 anos, é agricultor, mais precisamente bóia fria, vive na cidade de Campos dos Goytacazes no estado do Rio de Janeiro. Vive de um lado para o outro atuando como cortador de cana. Acorda às quatro da manhã, toma um café requentado, percorre três quilômetros numa Caloi velha até um ponto de encontro. Junto com outros trinta companheiros, é levado na carroceria de um caminhão velho, ano 1974, chamado de Campeão, até uma das inúmeras fazendas da região, para o seu dia de labuta. Só retorna para casa às oito da noite, exausto, após um longo dia debaixo de sol quente e temperatura superior a quarenta graus. As mãos grossas e recheadas de calos latejam sem parar. Os pés parecem pular das imundas botinas. O estômago já não tem mais força para reclamar de fome. A marmita das onze horas foi sua última refeição. Menu: Arroz, feijão, farinha e um minúsculo pedaço de cupim. Cumprimenta Marli, sua esposa, que está amamentando o caçula Maicon, seu oitavo filho.

Maria José é servente contratada pela Prefeitura Municipal de Palmópolis em Minas Gerais. À noite, vira dona de casa e costureira. Mês que vem completará 32 anos. Nos finais de semana freqüenta a igreja evangélica da cidade. Também ajuda o pastor com a limpeza pós culto. Seus meninos, no total de quatro, permanecem a sua espera jogando gude em uma praça de chão batido. Volta e meia um deles chora pela mãe dizendo que os mais velhos não o deixam brincar. Maria José fica aborrecida ao voltar para casa e ver que as melhores roupas de seus filhos estão todas sujas de barro. Coisa de criança, pensa ela. Seu companheiro, David, faleceu por causa de briga de bar.

Ismael é negro, tem 18 anos de idade e conseguiu uma proeza junto a seus amigos. Acabou de terminar o ensino fundamental, a antiga oitava séria do primeiro grau. Há dois anos tenta um emprego fixo na cidade de Mossoró, no estado do Rio Grande do Norte. Já cansou de receber um não. Todas as vagas disponíveis exigem experiência. Ele se indaga: mas como ter experiência se nunca trabalhei? O maior empregador da cidade é a Prefeitura. Os últimos concursos públicos deram mais de 4.000 inscritos para 68 vagas. As filas duraram três dias e dobravam quarteirões. Suas chances desde o início eram remotas. De fato, não chegou sequer perto da classificação para a segunda fase. Foi eliminado na redação.

Embora distantes uns dos outros, os três têm algo em comum. Votaram em Lula para presidente nas últimas eleições.

Ismael disse que Lula é o rei do Nordeste. Cabra-macho. O faz lembrar seu tio, Sebastião, que venceu na vida como caminhoneiro. Conseguiu inclusive comprar uma casa no bairro Costa e Silva, onde são realizados deliciosos churrascos de bode. Segundo ele, Lula é conhecido, é amigo do povo. Ele desconhece também o nome dos outros candidatos. Só sabe que tem uma “muié” de Alagoas na disputa. Seu sonho é fazer um curso no SENAI, mas está desacreditado. Falam que só filho de patrão consegue as vagas. Seus amigos estão na mesma situação que ele, exceto Carlinhos e Geison que morreram assassinados. Ele desistiu do futebol. Tinha que levar camisa e chuteira no treino, entretanto, ele não tinha dinheiro para comprar. Desde pequeno faz uns bicos. Já vendeu jornal e picolé, catou latas de alumínio e garrafas pet. Guardar carro é uma tarefa impossível. Os locais já estão todos ocupados e já aconteceu morte por um querer a vaga do outro. Ismael tem outro problema. Acabou de nascer Romoaldo, seu filho com Marinalva, a filha da vizinha. A sogra está ameaçando colocar o menino na Justiça para receber pensão alimentícia. Já arrumou até um “adevogado”.

Maria José adora o fim de ano, época do Natal. Tem um grupo do Rotary Clube que sempre leva lembranças para seus filhos. Ainda chora a morte de seu filho Pedro, que segundo os médicos do posto de saúde de Palmópolis, morreu de diarréia. Conseguiu ajuda de um vereador e agora recebe cerca de R$ 100,00 (cem reais) mensais de bolsa família. Vota em Lula de olhos fechados. É o único que lhe dá alguma coisa após as eleições. Já está cansada de promessas de políticos que só aparecem de tempos em tempos pedindo votos. Promessas nunca são cumpridas. Segundo ela os “dotôs” ainda lhe devem vinte folhas de eternit das eleições passadas. Televisão só a Globo. O SBT e a Record só com Bombril na antena, mas não é todo dia não. Adora o colégio dos meninos. Segundo ela, o lanche é gostoso. Pão com manteiga e um copo de leite.

João Carlos cobra dos dois filhos mais velhos que ajudem com algum dinheiro. Robertinho, o quarto filho, está com a boca inchada, um dente não lhe deixa em paz. João disse que levará o menino para “rancar” este problema. O menino, mesmo assustado, lhe agradece. A casinha, alugada, tem dois quartos, sendo um anexo à cozinha. O banheiro fica nos fundos, mas o vaso vive entupindo e o cheiro não é muito agradável. Os três cachorros, apesar de muito magros, parecem não se importar com as pulgas e carrapatos. As moscas também são grandes companheiras dos pequenos vira-latas. Seu sonho é ganhar salário mínimo. Este negócio de produção que o patrão inventou não é bom. Nunca sabe quanto vai ganhar. Sua aparência é de avô dos meninos e não de pai. O sol vem lhe castigando há tempos. João gosta do Lula. Disse que o “Auki” é muito chato. Ele não entende o que ele diz. Todo mundo na lavoura combinou de votar no treze no dia das eleições. Ele gostava mesmo era do Brizola, mas pena que morreu.

Para alguns pode parecer uma triste realidade, mas os personagens parecem felizes. Nota-se uma clara esperança em seus semblantes. Acreditam em Deus, este sim, que irá melhorar as coisas. Quanto ao Lula, concordam que é o melhor e mais conhecido. Questionados sobre político ladrão, eles dizem que todos são iguais. Qualquer um que estiver lá também roubará.

Os nomes e as histórias são fictícias. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência.

Resumo da ópera: Independente do governante, é preciso melhorar as condições de vida da maioria da população deste imenso Brasil. O povo precisa de três coisas básicas: saúde, educação e emprego. O resto, cada um se vira como pode. Assim é que ocorre hoje. Inobstante todos os problemas, o povo é batalhador e vai levando a vida sem muitas aspirações. É preciso tornar o homem um cidadão. Criar valores e oportunidades para todos. Somente desta forma nosso país se desenvolverá.

Ricardo Pimentel Barbosa

Advogado – Vitória-ES