CARRO DE BOIS

Naquele ano, a chuva se comportara como nunca. Choveu praticamente todo dia. Chuva fininha, mansa, criadeira, com intervalos de sol forte.

Os pés de milho, de todas as plantações, responderam aos tratos culturais com a superprodução esperada. No período de floração, era raro encontrar um pé com menos de cinco espigas, que granaram completamente e atingiram mais de trinta centímetros de tamanho. Iria haver dificuldade para armazenar tanto grão.

A alegria era geral. Em todos os cantos, o prenuncio da fartura, dos bons negócios, da garantia do rico alimento para homens e animais, era motivo mais que justo para fazer-se a maior festa da colheita de todos os tempos.

Normalmente, os visitantes são o dobro da população, mas nesse ano, com a notícia da super safra, podia vir o triplo que não iria faltar comida. Haveria serviço garantido para todos.

A debulhadora trabalhava dia e noite para dar conta das encomendas. Os agricultores, reunidos em mutirão iam, de propriedade em propriedade, fazendo a colheita manual porque a colheitadeira não tinha como trabalhar. O solo encharcado, era um atoleiro só e o pessoal perdia tempo precioso, tentando desatolar a máquina pesadona que naquelas condições, só servia para atrapalhar.

O velho carro de bois voltou à atividade e a parelha, Baralho e Relancim, nunca trabalhou tanto, acima e abaixo, transportando as espigas. Apesar da idade, a alimentação farta e os momentos de descanso, os animais estavam dando conta do recado.

Por causa do desuso a esteira que fazia a lateral do carro, rompeu-se na primeira viagem, a partir daí as espigas tiveram que ser ensacadas.

- Se tivesse jumento com cangalha era melhor do que esse carro velho...

- E esses bois enfadados, tem no mundo quem aguente? O serviço não anda. Tô vendo a hora essa chuva se arriar e estragar todo o milho colhido.

- O jeito é aumentar a carga.

- Esses bois não vão aguentar não!

- Guenta sim! Esses bichos são muito fortes, já trabalharam muito para o finado meu pai.

Em meio à discussão, findaram por colocar sessenta sacas. Era realmente além da capacidade dos animais que lentamente, deslocaram o carro, deixando o sulco profundo na lama do chão e o som lânguido do cocão, espalhou-se pelo silêncio da tarde.

Em dado momento, a roda prendeu num buraco aberto pela vereda cheia de peixinhos. E haja esforço de homens e bois para desatolar, mas a roda estava presa. Usaram enxada para colocar pedregulho misturado com barro, para facilitar o deslizamento da roda, diminuíram a carga, deslocaram a roda presa e recolocaram as sacas.

Depois de horas de esforço, conseguiram desatolar o carro. A urgência para terminar o serviço, fez com que os homens obrigassem os animais a andar rápido, quase correndo, para só pararem no pátio da cooperativa.

Antes que começassem a descarga, Relancim deitou-se envergando a canga e o carro. Para não derrubar a carga, os animais foram desatrelados.

Relancim, numa convulsão prolongada, com a boca aberta, estirou as pernas e morreu.

Nesse momento, Baralho, olhando para o companheiro ao seu lado, soltou um mugido longo como um lamento, enquanto duas lágrimas corriam em direção às narinas muito abertas, por conta da respiração ofegante.