Amigos inconvenientes

Francelino dos Anjos era um homem trabalhador, inteligente, honesto e cheio de sonhos para o futuro. Não media esforços no sentido de trabalhar para ganhar seu sustento.

Seu trabalho consistia em plantar e vender verduras colhidas do pequeno quintal de seu barraco de um só cômodo, onde dormia e cozinhava.

Entretanto, não ganhava o suficiente para levar uma vida um pouco mais confortável, por mais esforço que fizesse.

Contudo, ele sabia que não podia contar com esse meio de sobrevivência para sempre, motivo pelo qual, não perdia a esperança de que um dia pudesse arranjar outro tipo de serviço e, em conseqüência, merecer um futuro melhor.

Não tinha amigos, apesar de ser bem conhecido pela maioria dos moradores da cidade e, poucos eram aqueles que o cumprimentava quando coincidentemente, se encontravam.

Entre essas pessoas, estava o Emegildo, sujeito bom de conversa e exibicionista, demonstrava a todos um padrão de vida muito superior às suas posses. Devia tanto que até já pensava em se mudar daquele lugar.

Pois bem, Emegildo desconfiava que Francelino, certamente, devia ter algum dinheiro guardado, pois era demasiado parco. ”O homem trabalhava tanto e não gastava em nada, vivia uma vida de miséria. Ah! Dinheiro, ele devia ter muito bem guardadinho em algum canto de sua casa”, pensou Emegildo.

Pois era pensando nisso, que há tempos ele vinha alimentando a idéia de se aproximar dele com o intuito de fazer amizade e, posteriormente, quem sabe, com um jeitinho especial poderia até conseguir algum “empréstimo” de alguma grana.

Francelino podia ter jeitão de bobo porém, seus olhos vivos e espertos demonstravam exatamente o contrário. Seu fraco era tentar a sorte no jogo da Sena, nutrindo esperanças que um dia pudesse acertar as dezenas, vindo mudar totalmente o seu “modus vivendi”.

Semanalmente, ele fazia sua “fezinha”, mas no máximo de dois reais. Não é que numa dessas semanas ao conferir seu cartão, constatou que havia acertado todas as dezenas sorteadas? Não acreditando no que estava vendo, pediu ao dono da lotérica que conferisse o seu jogo.

Depois de conferido, o homem voltou com os olhos esbugalhados e com as mãos trêmulas, lhe devolveu o cartão dizendo:

“Está premiado! Está premiado! O senhor ganhou três milhões, duzentos e quinze mil reais!” Todo contente, deslumbrando uma alegria desconcertante, o dono da Lotérica foi saindo de trás do guichê para abraçar e dar os parabéns a Francelino. Quão frustrado e surpreso ficou, por não ver o ganhador demonstrar nenhuma satisfação e não abrir pelo menos um sorriso.

Francelino, calmamente, respondeu obrigado sem corresponder a alegria do lotérico. Colocou o cartão no bolso, já com mil planos passando pela cabeça. Voltou para a casa surpreendentemente calmo, como se nada houvesse acontecido.

Não demorou muito para a notícia do seu prêmio se espalhar pelas redondezas da cidade e aparecer muitos “amigos” para lhe dar os parabéns.

Seu corpo doía tanto, que já não agüentava mais de tanto receber abraços apertados.

Daí, começaram os pedidos de empréstimos. O primeiro a aparecer foi o Emegildo, que após abraçá-lo e lhe dar os parabéns, passou a expor sua real situação financeira (a qual não era das melhores) acabando em perguntar se podia contar com a ajuda de um empréstimo do amigo.

_Quanto? – perguntou Francelino, arrancando uma carteirinha do bolso.

_ Quatrocentos mil resolve o meu problema.

Francelino anotou seu nome e a quantia solicitada, sem dizer sim ou não. Emegildo, sentindo que seu pedido não fora recusado, sorria alegremente. Agora sim, sua vida iria se transformar por completo com a ajuda do seu “amigo” Francelino, pensava ele.

A peregrinação na casa de Francelino não parava o dia todo. Constantemente, surgiam “amigos” de toda a parte, até gente que ele nunca havia visto, passara a ser seu “amigo”. Todos iam lhe dar os carinhosamente os parabéns, puxar o seu saco e no fim pedir algum emprestado.

Diante de tantos pedidos, ele nem guardava mais a carteirinha no bolso, ficava na mão mesmo para a próxima anotação. Não negava nenhum pedido, todos eram devidamente anotados; nome, endereço e a quantia solicitada.

O contentamento dos seus “amigos” era geral. Diziam até que Francelino era o homem que mais gostavam na cidade. Alguns mais eufóricos o abraçavam demoradamente, enquanto diziam: “É um grande homem, um grande amigo.”

À noite, Francelino livre dos puxa-sacos que demoravam deixar sua casa, deitou-se, pegou a carteirinha com uma calma fora do comum, começou a somar os pedidos de empréstimos, só por curiosidade.

Deu um assobio quando verificou que os pedidos passavam de um milhão e meio de reais. Esboçou um sorriso de satisfação e resmungou baixinho: “É, tenho muitos amigos e não sabia”.

No dia seguinte pela manhã, o ganhador da Sena, convocou todos os “amigos” para irem até sua casa. Antes porém, preparou uma pequena mala com alguns pertences para viagem.

Com a casa cheia de “amigos”, subiu em uma cadeira e falou:

“Escute aqui pessoal: Daqui a pouco vou a São Paulo receber o meu prêmio e volto amanhã. Quero que todos façam uma grande festa desde o momento que eu sair, até eu voltar. Comprem comes e bebes da melhor qualidade, tudo por minha conta. Quando eu voltar com o dinheiro, acertarei tudo e farei a distribuição das quantias que a mim, pediram emprestadas. Tragam suas esposas, namoradas, convidem os amigos, quero ver este recinto cheio dia e noite, todos comendo e bebendo contentes e felizes.”

Emegildo, o mais puxa-saco de todos, todo eufórico gritou um “urra!”

_ Viva o grande amigo Francelino!

_ Vivaaaaa! – responderam todos em uma só voz – Francelino! Francelino! Francelino! Francelino...

Quando Francelino ia saindo, todos queriam lhe desejar boa viagem, abraçá-lo e até beijar sua mão. Foi um empurra-empurra danado. No meio da confusão, ele ”deu no pé.”

A viagem até São Paulo era curta. Mas enquanto ele viajava, a festa em sua casa não parava, todos comiam e bebiam o tempo todo. Já era madrugada e, alguns já estavam grogues, cansados e com sono, mas ninguém arredava o pé.

Lá pelas cinco horas da manhã, aos poucos, cada um procurava encostar-se em algum lugar para puxar um cochilo.

Depois de receber o prêmio, ao invés de voltar para casa, Francelino tomou outros rumos e nunca mais voltou.

Os “amigos” do Francelino já estavam exaustos e frustrados ao mesmo tempo. Todos cochichavam um com outro. Não sabiam o que poderia de fato, ter acontecido com ele. A incerteza tomou conta dos pseudo-amigos. “Se ele não voltar, não vamos nem ter como pagar a festa”.

Ninguém sabia explicar a razão da demora, porque já se passavam três dias desde que ele fora receber o prêmio e até agora, nada. A dúvida tomava conta dos “amigos de Francelino”. Muitos achavam que ele havia sido assaltado e assassinado. Agora, como fazer? Não só pensavam no dinheiro de empréstimo, como também no pagamento do dinheiro da festa.

Não encontravam uma solução adequada para a situação que estava se tornando a pior possível, principalmente no que tange aos empréstimos prometidos, com os quais já contavam com eles.

Quase chorando, os “amigos” de Francelino comentavam: “Onde estaria Francelino?”

Depois de passado quase seis anos do dia da festa, a primeira página de um jornal, chamou a atenção dos “amigos” de Francelino:

“O MILIONÁRIO BRASILEIRO FRANCELINO DOS ANJOS, DONO DA MAIOR REDE DE HOTELARIA DO BRASIL, CASA-SE HOJE EM PARIS COM A FILHA DE RICO E CONCEITUADO EMPRESÁRIO EUROPEU.”

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Luiz Pádua
Enviado por Luiz Pádua em 18/06/2011
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