O 'VOYEUR' DOS POBRES

Não sei como se fala em outras regiões do País; no nordeste brasileiro, o zé-povinho chama o tal de “brecheiro”. É um tipo que vive à sombra dos instantes de oportunismo. Contudo, com toda pompa, ostenta a pose de ter sido premiado com um galicismo, ainda que por tabela. Em última instância, aqui, nestas plagas, o espreitante de mulheres é o ‘voyeur’ dos pobres. Amoita-se por trás de porta, varal de roupa, pés de mato e até por trás de troncos de gameleira.

Sem querer, ou querendo, uma dama dá sopa e mostra uma nesga do corpo? Oferta-lhe a chance de o cara dar uma mirada segura em alguma parte nua lá dela? Pois ele, o “brecheiro”, não perdoa. Já está ali, avançando de olho, a u r u b u s e r v a r a moça. E tudo em tempo real, em cima do lance. No ponto de bala. Cada olho, que são duas gigantonas urupemas.

Olheiro por vocação, o sujeito, no duro, assume a voracidade de um urubu em jejum há mais de uma semana. Daí o neologismo utilizado: u r u b u s e r v a r, o que seria, em português corrente, observar com apetite de urubu. Isto não está muito lógico?

Lá para as abas da nossa serra, no Maciço de Baturité, décadas e décadas que já lá se foram, um camarada que atendia por Abel meteu-se em especializar-se nas artes do “brechador”, do “brecheiro”, do espreitador das carnes de senhoras e senhoritas, quando elas iam ter um banho ao relento. O tipo virou um ‘voyeur’, para embarcar na língua dos cus-doces da vida.

O Abel era rede de arrasto nas pinturas da visibilidade de mulheres nuas e/ou seminuas. Ia para as beiras de riachos, lagos e açudes, lá onde houvesse poços, cachoeiras, locais prediletos nos quais o mulherio ia tomar o seu belo banho. Ora, naqueles tempos, botem cinquenta janeiros atrás, o belo sexo ficava nuzinho mesmo nos seus balneários improvisados. Quando muito, elas botavam uma combinação ou anágua por cima de suas pessoas.

As copas de marmeleiro, carrapateira e outros arbustos eram a cidadela onde mais o Abel se amoitava. Um dia, sem que ele notasse a presença de um curumim, o infeliz foi flagrado a espionar a mulher de Seu Jacó, um homem tido e havido por sujeito macho que só preá. Bicho metido a arrochado, como se diz. E a esposa de Seu Jacó, nuinha ou seminua, era um mulherão para seu ninguém botar defeito algum.

O diacho do moleque, que assistira à arrumação do Abel, de olhar duro no violão, bateu com a língua nos dentes. Espalhou o acontecido por toda parte, apesar de negar de pés juntos que também não havia espichado o olho para o templo de mulher de Seu Jacó. A coisa, enfim, veio aos ouvidos do marido do mulherão e para é que foi que o pobre do Abel achou de vir ao mundo? Deu-se um cu-de-boi da gota. Aí foi um “bafulê”.

Esse caso virou rumoroso, por lá, nos matos, e estremeceu os pedregulhos da serra. Para findar o capítulo, sei apenas que o “brecheiro” saldou com as costas e costelas em petição de desgraça, tudo hematomas em cruz, mais uns dentes da frente pipocados e os olhos por acolá, de tão roxos e inchados.

Depois da sova e alguns dias de convalescença na unidade hospitalar da sede do município, em Redenção, o ‘voyeur’ ainda foi detido por uns dias. Não negou a sua façanha para o delegado. Declarou que fazia muitos e muitos anos que era um observador e tanto das primícias dos corpos femininos, todas elas mulheres e meninotas que iam tomar seu banho, ao ar livre, sob o xixizar de uma cachoeira, então em lagoa, açude ou ribeiro da região.

Pior que o Abel era pai de família, até com filha fêmea casada, um netinho caolho e dois pivetes malinos. Exemplado, a rigor, com uma surra de cipó de boi e mais alguns tapas e safanões, além do corretivo que teve, sob a forma da lei, o espreitante de mulheres no banho proclamou – com boca no trombone – que iria deixar aquela vida, lá dele, de “brechador” contumaz.

Parece que o homem tomou tento, deveras, pois, de fato, sentou praça numa religião novidadeira, uma seita de umas figuras ianques e bem alimentadas, de nome Testemunhas do Deus Alá. Os tais almofadinhas eram rosados milagreiros da fé que, vez por outra, escalavam a serra para irem salvar almas e passar a perna nos tabaréus do lugar.

Fort., 18/06/2011.

Gomes da Silveira
Enviado por Gomes da Silveira em 18/06/2011
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