O caipira da Praça da Sé

Nos bons tempos da antiga Praça da Sé, eu costumava lanchar em uma das muitas salsicharias que havia por lá. Valia a pena comer um cachorro quente com salsicha especial do Frigorífico Santo Amaro; era uma salsicha super gostosa. Chega a dar-me saudades.

Enquanto eu saboreava um desses cachorros quentes na porta da salsicharia, presenciei um conto do vigário diferente e um dos mais requintados que já havia tomado conhecimento.

Ali por perto estava um senhor com cara de caipira, barba por fazer, trajando um paletó apertado, calça aparecendo as canelas e botinas sujas de barro; um homem típico da roça. Ele parecia estar inquieto esperando alguém que não aparecia. De cada três a cinco minutos ele se aproximava do dono de uma relojoaria que ficava ao lado da salsicharia para perguntar as horas. Depois de tanto dizer as horas para o homem, o dono da relojoaria já estava intrigado com o tal caipira, que na parava de encher o saco perguntando as horas. Assim, quando o caipira voltou novamente para perguntar as horas, o homem da relojoaria já estava nervoso e muito curioso perguntou ao caipira por que tanto ele consultava as horas. O caipira respondeu que estava esperando um senhor que ele emprestou Hum mil cruzeiros e lhe fora prometido trazer o dinheiro de volta às onze e trinta em ponto. A titulo de garantia ele deixou um relógio de ouro com ele. O dono da relojoaria deu uma risada e falou:

_Você caiu no conto do vigário, essa pessoa é vigarista e não volta nunca mais; esse relógio é pura fantasia, não deve valer nem um cruzeiro.

_Não, seu moço, tenho certeza que o relógio é de ouro. Ele é pessoa séria e rica, usa óculos, terno e gravata; é gente de palavra, às onze e meia em ponto tenho certeza que ele vai aparecer.

O dono da relojoaria deu um sorriso e já revoltado com a burrice do caipira, pensou:

Esse caipira é tão burro e idiota que eu também sou capaz de tomar algum dinheiro dele.

_Olha aqui, seu...

-Quer apostar que ele não vai aparecer?

_Aposto quanto quiser, falou o caipira; quem o conhece sou eu, não é o senhor. “Oia, seu moço, eu gosto muito de apostá e ganhá, ocê vai vê”. “Sturdia” mesmo eu ganhei de aposta um burrinho chucro de um cumpadi meu.

_Então, quinhentos cruzeiros, está bem? Você tem esse dinheiro?

Tenho sim senhor, olha aqui.... “Qué aumentá pra mil”? O outro respondeu rápido: “tá feito”. O caipira arrancou de dentro da calça um maço de notas amarradas com barbante, mostrando ao homem. Tenho mais de cinco mil, eu recebi pela venda de um ranchinho lá no meu sertão.

_Então está fechada a aposta?

_Ta sim senhor.

_Agora é onze e dez, vale só até às onze e meia, certo? Se passar desse horário, eu ganho.

_Certo. Então vamos entregar o dinheiro para o caixa da salsicharia pra garantir a aposta. O caipira lhe entregou um maço de notas e o outro apostador juntou com o seu, pedindo para o caixa segurar pra eles.

Eu não perdia um lance dessa estranha aposta, ficaria ali até o final só para ver o desfecho.

Os dois apostadores ficaram juntos olhando o relógio. Deu onze e vinte, onze e vinte cinco, 0nze e vinte sete. O homem da relojoaria falou com o caipira:

_Falta somente dois minutos, já posso pegar o dinheiro, ele não vem mesmo, você caiu no “conto do vigário”.

_Não seu moço, é ás onze e meia, ainda falta dois minutos. O outro deu um sorriso de quem já ganhou e esperou impacientemente.

Quando o relógio marcou onze e meia, um senhor de óculos e bem vestido aproximou-se do caipira e disse:

_Aqui está o seu dinheiro e mais uma gorjeta pelo empréstimo. Fico-lhe muito grato, pois o senhor quebrou-me um “galhão”. O caipira entregou-lhe o relógio e pegou o dinheiro.

O homem que apostara com o caipira ficou de boca aberta e estupefato. Com essa ele não contava.

O “caipira” pegou o dinheiro da mão do caixa da salsicharia e se despediu, perdendo-se no meio da multidão da rua Direita.

Nota: Este conto faz parte do livro “Um Paciente muito impaciente" de minha autoria.

Luiz Pádua
Enviado por Luiz Pádua em 26/06/2011
Reeditado em 26/06/2011
Código do texto: T3058288