O Matemático

Aconteceu há alguns anos atrás...

O governador do Estado de São Paulo, em caráter de emergência, nomeou 300 fiscais, interinamente. Naquela época o cargo era um dos mais bem remunerados do país.

Quadro completo e fim...

Acontece que um político, antes amigo e depois da oposição, o sucedeu. Uma das primeiras providências foi abrir um concurso público “lição de moral para os leigos, porém vingança política na realidade”, mas que acabaria regularizando e, definitivamente, preenchendo as vagas de fiscal até então ocupadas por funcionários nomeados, indicados ou apadrinhados.

Fiquei sabendo do concurso e o caso é o seguinte, sou honesto e trabalhador, vou mudar o meu país, começarei me inscrevendo em um concurso público a minha altura.

Contudo, o inaceitável ocorreu.

O ex-governador, com seu grande poder político, conseguiu aprovar um artigo que faria com que os interinos que por ele foram nomeados, se quisessem continuar na função, deveriam se inscrever, como todos, no concurso, mas levariam a vantagem com a soma de trinta pontos, e, seriam efetivados caso atingissem a média de cinqüenta pontos.

Não acreditei! Como é possível? As pessoas que dizem defender em primeiro lugar os princípios e o interesse do povo, aprovar e transformar em lei um artigo desses.

Descrente e me sentindo ofendido com a simples conclusão de que se eles fizessem apenas vinte pontinhos, já estariam garantidos, não restando se quer uma chance para os candidatos externos.

Ademais era quase impossível que qualquer um dos interinos deixasse de fazer vinte pontinhos em cem possíveis, e sendo assim não haveria nenhuma vaga em disputa.

O dito concurso foi realizado num domingo cedo, e, depois de ter retornado para casa as quatro da matina, com tudo isso o que mais eu poderia sentir...

“As provas que vão pras favas, eu quero é dormir”.

Entretanto, às sete horas da manhã, fui carinhosamente despertado por gotas geladas de água, escorridas de um copo, derramadas lentamente, em minha face adormecida, pelo meu saudoso companheiro Ditinho. Desconfio até hoje que ele fez isso não simplesmente pela grande amizade e sim para provar que as nossas horas incessantes de treinamento matemático, quando ainda adolescentes em Pinda, não teriam sido em vão.

Este concurso reservou várias surpresas.

Primeira; dos trezentos interinos que participaram do concurso, mais de cem conseguiram o impossível... não atingir os vinte pontos que lhes garantiriam a vaga.

Segunda; entre os cerca de sessenta e seis mil candidatos, a metade possuía, no mínimo o diploma superior, e o teste era de títulos e provas. E eu, sem curso superior no currículo, totalizei noventa e sete e meio pontos, ficando entre os cem primeiros, garantindo assim a cobiçada vaga.

Na verdade o meu resultado satisfatório, claro que tirando a água gelada, se resumiu unicamente ao meu raciocínio, que foi decisivo na pergunta mais complicada prova.

Tratava-se de uma questão ligada à contabilidade, a primeira vista de simples e evidente solução; “Qual o livro mais importante da escrita contábil?”.

Para quem o assunto não é familiar, seria o Diário, pois é o único livro obrigatório na escrita contábil, que deve ser registrado em juízo e ter todas as suas folhas assinadas. Os demais livros são puramente auxiliares.

Se uma determinada empresa tiver apenas o livro Diário, no qual são registradas todas as operações, considera-se que ela tem escrita contábil. Agora, mesmo que ela possua, com exceção do Diário, todos os livros auxiliares – Caixa, Razão, Conta Corrente, etc. – Por lei não tem escrita contábil.

Voltando ao concurso, antes mesmo de chegar a esta pergunta, eu já resolvera várias outras, avaliando o nível de dificuldade para mim, em médio. Deste modo, se a resposta fosse “Diário”, a pergunta obviamente seria facílima. Seria como se numa prova de aritmética perguntassem qual o resultado de dois mais dois.

Com este raciocínio, conclui que a resposta, necessariamente, teria que ser outra, e como o Razão é o livro mais usado em contabilidade, sendo consultado cem vezes para cada consulta do Diário, respondi “Razão”.

Consta que, entre os sessenta e seis mil candidatos, fui eu o único a acertar esta pergunta. Para meu contentamento e orgulho do saudoso Ditinho, que teve assim recompensado no meu sucesso o esforço despendido por nós na adolescência.

Aprendi a nunca desistir dos meus ideais, mesmo que pareçam inatingíveis.

Marcos Pestana
Enviado por Marcos Pestana em 06/07/2011
Reeditado em 06/07/2011
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