SAUDOSISMO DA TIA PRAXEDES

Lembro-me daquele outono de 62. Estava prostrado em uma pedra de dimensões avantajadas e laterais pontiagudas naquela região montanhosa de clima aprazível. E naquela época do ano a réstia de luz amarelada do sol escorria dos telhados das casas no momento vespertino do dia, momento esse aguardado por mim ansiosamente pois poderia apreciar um dos mais sublimes acontecimentos proporcionados pela natureza ao demonstrar sua beleza na forma de um por do sol no mínimo inenarrável que mais parecia uma pintura oriunda de um artista bretão. Enquanto ocorria tão nobre e belo evento natural minha hoje saudosa tia que levava a alcunha de Ivonete Praxedes Simonal com suas mãos já calejadas por tantos anos de trabalho ininterrupto na lavoura que estava lotada aos arredores de sua choupana, herdada de seu falecido progenitor Setembrino Praxedes da Cunha Passos Dias Aguiar, fabricava uma iguaria chamada pela mesma “carramachão” que continha em sua composição bergamotas colhidas no bosque que se fez presente à anos na região e no qual é abundante o cultivo de tão nobre fruta. Tal iguaria era armazenada em compotas e repousada sob aquele velho armário de pinho de Riga. Segundo a já velha senhora, repousar-se-iam as compotas ali para que fosse aumentado o já insuperável sabor doce da iguaria em questão.

Eu lá, aguardando o espetáculo proporcionado pela natureza, e podia ouvir os rebentos a brincarem de pique-esconde e mais adiante, outros a brincarem de mandraque-licença, já era tomado pelo odor emanado pela fabricação do “carramachão” de bergamotas que escapava pelos pequenos orifícios da panela de barro que tia Praxedes usava com tamanho orgulho devido ao fato de ter sido na referida panela que ela aprendera os dotes culinários que lhe foram ensinados por sua falecida mãe, dona Vesuvia Praxedes Simonal Passos Dias Aguiar. A já falecida mãe, quando viva, era apelidada de dona Veve por todos os assentados que habitavam àquela remota região. Pessoas essas que nutriam por dona Veve grandioso apreço e orgulho de tê-la, à época, como matriarca da localidade.

Lembro-me ainda que tia Praxedes contava às gargalhadas os inesquecíveis momentos passados ao lado de dona Veve na cozinha da choupana, quando era doutrinada às artes da culinária. Artes estas que sua mãe tinha como um dom, capaz de enfeitiçar os corações dos homens que podiam se dar ao deleite de degustar os divinais quitutes que ela fabricava com prazer e mansidão. Inclusive, foi em uma das muitas fornadas que dona Veve fabricou, que Seu Setembrino foi enfeitiçado. À época, o ainda moçoilo ostentava em sua face apenas um buçozinho de fios ralos e singelos que encantava as moças ao seu redor.

Os dias naqueles tempos eram mais quentes, pareciam mais compridos e podia-se ver nas testas dos interlocutores o suor a escorrer em bicas no decorrer do momento de trabalho.

Tia Praxedes tinha o temor de deixar embaralhar em sua mente tais lembranças, que lhe remetiam há tempos, onde as preocupações eram mais tenras e a vida mais tranqüila.

TrovadoresSaudosistas
Enviado por TrovadoresSaudosistas em 11/07/2011
Reeditado em 15/07/2011
Código do texto: T3088690
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