A CARTA DE ARREMATAÇÃO

José Rezende é um figuraço, grande presente que Bom Jesus do Norte mandou para Barra de São Francisco, norte do Espírito Santo. Sempre bem humorado, conquistou a simpatia da sociedade daquela cidade. Entre outras coisas, tinha máquinas de pilar café e arroz. Tão logo chegou, tratou de construir sua residência, um prédio de dois pavimentos, localizado numa das ruas do Morro da Caixa D’agua.

Sentindo necessidade de ampliar sua residência, comprou o terreno existente ao lado, de esquina. Comprou, pagou e tratou de providenciar a escritura pública, que imediatamente a transcreveu no Registro Geral de Imóveis, acreditando na tapeação que sempre está inserida numa capa que envolve o instrumento de compra: “quem não registra não é dono”.

Poucos meses da transação efetivada, José Rezende foi citado por um Oficial de Justiça para contestar, se assim o desejasse, uma ação cível, que lhe movia a esposa do cidadão que lhe vendera o terreno. Argumentava a mulher que era casada com o vendedor sob o regime Universal da Comunhão de Bens e não consentira na venda do imóvel, tanto que não assinara a escritura, até porque desconhecia a transação efetivada.

José Rezende, diante da situação, saiu à procura do sujeito que lhe vendera o terreno, mas em vão, já que ele desaparecera do município, sem deixar rastro, estando, portanto, em lugar incerto e não sabido. De qualquer maneira, contratou um advogado e contestou a ação, mas não obteve êxito, pois a mulher-autora foi a vencedora da lide.

Dois anos depois, se muito, José Rezende tomou conhecimento de que o supra dito imóvel seria leiloado pela Justiça em decorrência de uma ação executiva. Procurou imediatamente o Cartório e constatou que a notícia era verdadeira. Passou, então, a refletir sobre se tentaria ou não arrematar o imóvel, uma vez que, dependendo dos lances que seriam ofertados, o negócio poderia não interessá-lo, tendo em vista o valor de custo-benefício.

No dia aprazado, arriscou um lance e acabou por arrematar o terreno, já que não apareceram outros licitantes.

Para cumprimento das formalidades legais, José Rezende foi ao Cartório cujo titular marcou o dia para que ele recebesse a respectiva Carta de Arrematação.

Chegou, então o dia D e lá, no Cartório, estava o arrematante. Sentado confortavelmente numa poltrona, de óculos na ponta do nariz, passou a ler o documento que lhe passara às mãos o ilustre Escrivão. Lia com atenção e muito prazer. Em dado momento levantou-se, dirigiu-se ao titular do Cartório, e asseverou:

-- Doutor, pretendo desfazer o negócio. Não quero este documento da forma que está. Não, não quero. Já perdi na Justiça esse mesmo terreno porque a mulher do vendedor não assinou a escritura.

-- Sim, mas e daí ? – disse o Escrivão.

-- Daí que eu observei que a mulher do Juiz não assinou a Carta de Arrematação.

Está certo, pensou o Escrivão. Cachorro mordido de cobra tem medo de lingüiça.

levy pereira de menezes
Enviado por levy pereira de menezes em 10/12/2006
Código do texto: T314669