O POTÓ

Naquele final de semana nem eu nem Basílio, meu colega de quarto, pudemos voltar para casa.

Havíamos perdido muito tempo atendendo aos clientes normais e na dedicação do cadastramento dos novos tanto que, o roteiro não pode ser concluído.

Eram muitos quilômetros para ir e voltar na segunda feira e por conta da reclamação constante da empresa para contenção de despesas nós resolvemos ficar.

Ligamos para casa e depois, fazer o quê?

Fomos para a praça central onde havia uma feirinha de artesanato e várias barracas com comidas e bebidas.

Muita gente passeando e comendo espetinhos, amendoins, maçãs do amor...

Sentamos numa das mesas e pedimos cerveja. Noutra mesa mais adiante, duas jovens também estavam tomando cerveja.

Basílio sempre mais despachado do que eu, foi até elas e pediu para sentarmos porque éramos de fora, não conhecíamos ninguém, etc.

Já nas apresentações fiquei encantado com a beleza da loura de perfume embriagador.

Conversamos muito tempo sobre vários assuntos e a loura não parava de beber copos e mais copos.

Num dado momento as caixas de som que faziam a trilha sonora da feira tocaram uma música que trouxe lágrimas aos olhos dela.

Constrangida pelo choro incontido ela quis levantar, mas cambaleou e antes que caísse eu a segurei.

Ela deixou-se envolver no meu abraço e depois disse que estava se sentindo mal.

Com os movimentos prejudicados pela ação do álcool, o vômito foi mais rápido e se espalhou por todo meu lado esquerdo, desde o pescoço até o meio das costas.

Fomos levá-las em casa e tentamos, inutilmente, limpar a camisa.

Marcamos o novo encontro, para passarmos o domingo juntos, e voltamos andando, Basílio e eu, para o hotel.

Quando estávamos passando por baixo de uma das árvores do canteiro central da avenida, senti coceira no pescoço, exatamente do lado vomitado.

Esfreguei com força e senti uma ardência terrível.

No hotel, depois do banho, lavei a camisa, mas o cheiro nauseabundo não me abandonou e o pescoço queimava cada vez mais.

De madrugada acordei Basílio e pedi para que ele me levasse no posto médico porque não estava mais aguentando de tanta dor.

O pescoço vermelho, cheio de bolhas. Um horror.

Quando o médico de plantão me perguntou o que era que eu estava sentindo, eu contei o acontecido e disse que aquele estrago no meu pescoço só podia ser efeito do vômito.

O médico, um senhor já idoso, me explicou entre gargalhadas que eu havia sido queimado por um potó, que nenhum vômito por maior que fosse a bebedeira provocaria tal queimadura.

Ainda hoje em dia, a loura que estava tentando afogar em cerveja a traição que o marido lhe fizera, é minha amiga e sempre que nos encontramos, lembramos do caso do potó, enquanto estamos descansando, depois de havermos devolvido, ao marido desavisado, a traição de que ela foi vítima.

Afinal traição se devolve em suaves prestações, não é mesmo?

Sim! Antes que eu esqueça, por favor, não fale nada disso que lhe contei com Basílio.

Ele tem a língua grande demais, vai espalhar essa história e eu vou perder meu esquema com a loura traída.

Glossário:

Potó – (Paederus irritans) Inseto que produz líquido urticante, para defesa, rico em cantarizina que, em contato com a pele humana pode produzir queimaduras de até 2º grau.