A Palavra, a Pena e o Vento

“... nunca diga uma mentira que não possa provar que é verdade...” (Millôr)

Em 2004 fui convidado por um Colégio, da rede particular, de Araçatuba, para uma semana comemorativa ao aniversário da sua fundação. O Colégio S. Judas Tadeu é uma instituição tradicional na cidade. Durante dois dias conversei com os alunos das 5as e 6.as séries (e a faixa etária que apresenta um interesse maior pelo assunto). A minha estratégia de contato é preparada pelas professoras com antecedência. As professoras planejam com os alunos uma entrevista com o convidado. A atividade é livre. O exigido dos alunos é apenas a postura. Não é necessário planejar o que vai perguntar. Espera-se apenas que seja mantido um clima de respeito e cordialidade. A criatividade pode correr solta. O tempo corre livre. Sempre digo que a sessão deve terminar quando os primeiros sinais de cansaço aparecerem. Numa classe isso é muito fácil de perceber. Não adianta forçar a barra. É inútil querer ser hábil na motivação. Cansou parou. Isso faz parte das primeiras conversas. O interessante é que as sessões mais curtas duram 1h50m e as mais longas pouco passam de 2 horas. Querem conhecer apenas a qualidade da água da fonte.Já estava ia pelo meio de uma sessão com uma sexta série quando entrou uma senhora, depois de pedir a devida licença, entrou e sentou-se. A entrevista foi correndo normalmente até que um ”causo” ilustrou a resposta, como é do meu estilo. Então ela, educadamente perguntou (como se fizesse parte da entrevista), se poderia fazer uma observação crítica. Sim!, Claro!, Respondi. Confesso, no entanto, que esse tipo de intervenção era inédito.

--Seus ”causos”, a mim me parece, que pouca vezes deixam uma mensagem moral!.

• Ai quem fez a intervenção foi o anjo da guarda que estava de plantão. Passou-me a cola. Respondi que não era essa minha intenção, mas se a pergunta da entrevista assim exigisse por que não? Essa pergunta sua pode ser respondida e ilustrada com o seguinte ”causo”: Conta-se que num desses pequenos países do oriente vivia um poderoso comerciante de jóias e perfumes. Muito respeitado não só pela qualidade de suas mercadorias, mas também pela retidão de seu caráter. Até que um dia surge um concorrente que não se igualava a ele em poderio econômico, mas nada ficava a dever na qualidade de seus produtos e na pureza de seu caráter. Isso poderia se transformar numa ameaça. Igualar em poderio econômico não e coisa difícil. Costumava-se ouvir: ”Tudo que puder ser adquirido com dinheiro é BARATO”. Resolveu atacar. Espalhou que o novo comerciante havia conseguido tudo que tinha, vendendo produtos de baixa qualidade e deixando de honrar compromissos financeiros, se as oportunidades aparecessem. O resultado foi imediato. A freguesia diminuiu assustadoramente e repor o estoque ficou muito difícil. Ninguém queria se arriscar. O autor dos boatos (que até então, era de caráter irretocável) começou a ficar com a consciência pesada. E resolveu então consultar um monge ermitão que morava numa gruta nas montanhas e que possuía fama de ajudar as pessoas ”com problemas da alma”. Fez o primeiro contato. Numa sexta-feira. Contou ao monge o acontecido sem omitir nenhum detalhe. Queria reparar o erro cometido. E o monge respondeu: Reparar esse tipo de erro e extremamente difícil, mas não é impossível. Daqui uma semana (sexta que vem) o senhor volta aqui e me traz uma galinha preta (galinha preta sempre da um toque sinistro em qualquer história). E assim foi. Na semana seguinte o comerciante se dirigiu a montanha levando consigo o solicitado. Ao chegar o monge observou: Que bom que o senhor veio! Agora o senhor vai levar essa galinha de volta, mas no caminho deverá ir arrancando suas penas e jogando-as ao vento. Não mate a galinha. Trate bem dela. As penas nascerão de novo. E na próxima sexta-feira volta aqui porque, se a tarefa for cumprida, já teremos a solução pro seu caso. Na volta a tarefa foi sendo cumprida com todo o cuidado. E no dia aprazado lá estava o comerciante de novo. O monge o cumprimentou e logo ficou sabendo que o trabalho tinha sido feito. Entrou pro fundo da gruta e voltou com uma sacolinha (e graças a tudo o que e sagrado, não era de plástico!). Sua próxima tarefa e a última é voltar catando todas as penas que senhor jogou ao vento. Quando apanhar a última, sua missão estará cumprida e o senhor voltara ter paz. Mas isso é impossível, meu venerado! Não!.Impossível não é. É apenas difícil. As palavras ditas são como penas atiradas ao vento. Uma vez atiradas (ou ditas) fica muito difícil recolhe-las.

Voltando aquela senhora (que depois soube ser a Diretora do Colégio), perguntei-lhe e tinha ficado satisfeita com minha resposta: Muito mais satisfeita que o senhor possa imaginar!!!... (Oldack/17/01/010).

Oldack Mendes
Enviado por Oldack Mendes em 02/10/2011
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