Conta-se acerca de um velho lama, asceta venerado, que passara isolado numa gruta cinqüenta anos sem comer pão nem beber vinho. Era um homem alegre e cheio de entusiasmo. Ele gostava de dizer: “Eu destruí em mim o desejo de fornicar, a avareza e a vanglória”. Um pastor de ovelhas, sabendo que ele afirmava isso, subiu ao monte com suas ovelhas, e encontrando-o perguntou-lhe: “É mesmo o senhor que pronunciou esta palavra?” Ele respondeu que sim. Então o pastor disse-lhe: “Suponha que ao entrar de novo em sua gruta, você encontre deitada em sua esteira, uma linda mulher nua; poderá então pensar que ali, se oferecendo, não está uma mulher?”
            “Não, respondeu o asceta, mas lutarei contra a minha vontade de me deitar com ela e a tocar”. Então o pastor disse-lhe: “Veja, você não destruiu o desejo de fornicação. Esta paixão vive em você, embora acorrentada. Suponha porém de novo que, passeando pelos montes, você vê ouro no meio das pedras e das conchas do riacho; o seu espírito pode considerar como sendo do mesmo valor as conchas e o ouro?”
            “Não, respondeu o lama, mas lutarei contra a minha vontade de amontoar o ouro no meu alforje”. Disse-lhe o pastor de ovelhas: “Vê, esta paixão de possuir as coisas ainda está em você, embora acorrentada”. O pastor novamente retrucou: “Suponha que você percebe que, entre seus seguidores, dois discípulos um o ama enquanto o outro o despreza e diz mal de você; se eles forem vê-lo, receberá a ambos com o mesmo afeto?”
            “Não, respondeu o lama asceta, mas lutarei contra o meu pensamento para ser tão bom em relação àquele que me odeia quanto àquele que me ama”.
            O pastor de ovelhas, que talvez fosse mais do que aparentava ser, disse-lhe: “Assim pois, as paixões continuam a viver sendo apenas, nos santos lamas, acorrentadas”.