O tigre Negro, Os tigres Negros...

Meu nome é José, mas sou chamado de Tigre. Hoje tenho orgulho do apelido que conquistei, com muita disposição, persistência, determinação e entusiasmo.

Nasci em 1928, sou negro, filho de uma família humilde do interior de São Paulo, contudo, trabalhadora e honesta. Ainda jovem com meus 14 anos aprendi a andar de bicicleta, ela era de um amigo da escola, mas o gosto por esporte começou nessa época.

Sempre trabalhei ajudando no sítio ou fazendo uns biquinhos na legião do exército e no armazém do seu Zico. Fazia entregas de compras de bicicleta, chegava dia que eu pelava por mais de 6 horas.

Mas o meu primeiro emprego de verdade foi na capital, um amigo, que eu já não via a alguns anos, sabendo que eu entendia bem de matemática, me convidou para trabalhar com ele, aproveito para dizer que esse amigo chamava-se Benedito “Ditinho” e era branco. Digo “branco” porque hoje escuto tantas coisas sobre preconceitos, e até chegar na capital não sabia o que era isso.

Aos 19 fui contratado para trabalhar como auxiliar de contabilidade, daí a minha facilidade em mexer com números, minha primeira paixão, mas não a maior.

Como todo bom jovem rapaz quando recebe o primeiro pagamento, vai logo atrás das novidades. Quem me viu e quem me vê, comprei logo um par de sapatos, uma camisa e um paletó, e para o visual ficar completo... Um maço de cigarros.

Foi nessa que parei, até por força do corre-corre da cidade grande, de praticar esportes. Passaram-se 12 anos até entender que o cigarro fazia mal. Arrumei um tempinho e fui procurar alguma coisa para exercitar os meus músculos já enferrujados.

Então já com os meus 31 anos comecei a fazer caminhadas, pouco tempo depois já estava correndo e até competindo, claro que como amador. A concentração que tinha no trabalho, não tinha nas corridas, e assim talvez pela ansiedade incontrolável não as ganhava. Um conhecido de corridas ao saber do problema me alertou e indicou que o melhor caminho era o Box para superar os meus limites e dominá-los. Fiquei surpreso, achava que era brincadeira, como poderia as “porradas” fazerem bem para a concentração, mas fui até a academia em que ele treinava.

Dizem que a primeira impressão é a que fica, e como esta frase bateu na testa, paixão a primeira vista. Sem delongas, o treinador olha e fala: “rapaz você tem pinta de campeão”. Daí minha segunda paixão, para tornar-se um grande lutador e merecer o apelido de Tigre, em virtude de minha... Diz ele: “Patada de direta”. Foi pouco mais de 1 ano. Perdi poucas lutas, mas mesmo nas derrotas, venci. Ganhei muitas medalhas e elogios.

Agora mostro para quem conseguiu ler um pouquinho da minha vida, a razão pela qual venho contar sobre meu orgulho. Hoje ainda caminho, e o que mais faço é ler. Em uma dessas leituras coincidentemente, folhando um livro de capa interessante, notei o título, “Os Tigres”. Comprei-o e para minha surpresa descobri que tanto fiz pela minha vida, dos filhos e amigos, mas esqueci do meu passado, saber dele, entendê-lo, e com isso criar uma verdadeira opinião sobre direitos raciais.

Há 200 anos eram chamados de Tigres aqueles pobres escravos que na calada da noite, carregavam os excrementos de seus senhores. Isso se chama vontade de viver, humilhados ao limite da desconsideração humana, se sujeitando aos caprichos dos inescrupulosos e poderosos.

Eram chamados de Tigres porque a química acida dos dejetos criavam manchas claras na pele fora o cheiro era insuportável. Mas o que eram esses pobres homens?

Eram feras, Tigres sim, pela garra de viver talvez mais um simples minuto a mais.

Procurei então tentar sentir o que eles sentiam e o que pensavam. Cada revelação das atrocidades e incoerências me assustava.

Saber que o Brasil recebeu aproximadamente nove milhões deles, mas o certo é que da África saiu um número bem maior. Essa diferença! Deve-se tão somente a alguns fatores: aos que morriam na jornada, acorrentados e espremidos num compartimento do navio muitas vezes chamados de “tumbas”, pois não suportavam a fome, a falta de ar e as pestes da época, e morriam...

Outros eram lançados ao mar, quando algum navio que policiava o tráfego de escravos se aproximava, não que esses navios eram aparentemente contrários à escravidão ou por motivos humanitários, eram sim por motivos comerciais...

Como concorrer com um mercado que tinha mão de obra gratuita?

Os vinhos e os cavalos que muitas vezes acompanhavam a carga humana eram incomparavelmente mais bem tratados.

Que infeliz idéia, usar o negro como escravo. Claro que não eram todos os brancos portugueses e brasileiros que os maltratam, havia quem deles gostava, de seus costumes, que hoje estão incorporados aos do nosso país.

Aos 77 anos vim a ter a minha terceira paixão “ler”. E através dessa paixão enumeras e magníficas experiências.

Hoje venho humildemente pedir a esses governantes, que insistem em pedir desculpas por esse passado imperdoável apesar de não terem culpa, que ao invés de ficarem dizendo que são descendentes, parentes, casados, amigos, ou seja, o que for de um negro creiam que se pede é somente mais respeito, mais sentimento humano que leva alguém tratar seus semelhantes com atenção e consideração. Talvez seja isso que falte.

Saber que um presidente, é capaz de chorar pedindo perdão por algo que não fez, é acolhedor, mas não basta. Nos negros somos humanos, porém com um passado marcante e sofrido, não merecemos desculpas nem promessas, fomos trazidos a essa terra maravilhosa para trabalhar, e é só isso que queremos, pois com trabalho seremos com certeza, respeitados. Pois há um Tigre dentro de cada um de nós.

Marcos Pestana
Enviado por Marcos Pestana em 17/11/2011
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