Morreu

Infelizmente nossos ouvidos não são como nossos olhos, não podemos fecha-los de vez em quando e deixar de ouvir certas coisas. Isso seria particularmente útil dentro dos ônibus, ambiente onde somos obrigados a escutar comentários exaltados do jogo do dia anterior, brigas de marido e mulher, piadas sem graça, sermões religiosos e músicas funk em aparelhos de celular.

Mas nem tudo é tão terrível, aliás, há coisas tão terríveis que podem ser engraçadas, como essa conversa que ouvi entre dois senhores que estavam no banco atrás do meu enquanto voltava de ônibus para casa, parece história do Nerso da Capitinga, mas aconteceu (os nomes foram alterados):

- Bom dia seu Wirsú!

- Bom dia Bastião, ocê sumiu homi!

- Cuidando da vida seu Wirsú, mas tem tempo qui nóis num si encontra, cumeque o sinhô tem passado? E o pessoar, tem visto arquém?

- Iiiih, tem vistu ninguém não, todo mundo sumiu nesse mundo... ocê por exemplo num lembra do seu Osvardo casado cum a dona Maricota dus Armeida?

- Oh si lembro, que qui tem ele?

- Morreu.

- Ai qui pena seu Wirsú, eu num te falo. O sinhô deve de si alembrá do seu Chico lá da venda da esquina du Verdurinha.

- Isquessu não Bastião, ele tá bem di saúde?

- Que nada. Ele morreu.

- É a vida Bastião, nóis num vale é nada nesse mundo. Lá nu Verdurinha mesmo tinha aquela dona benzedeira, a dona Lurdinha.

- Ele já me benzeu di espinhela caída muitas veiz, cuma ela tá?

- Morreu.

- E seu Wirsú, a vida é muito curta. Mi fez alembra da dona Ambrosina du seu Gerardo Caqui.

- A dona Ambrosina, ô muié boa aquela seu Bastião, ela já tem uns 90 ano, cume ela vai?

- Morreu.

- Etá vida seu Bastião.

- É a vida seu Wirsú.

- Tendo essa conversa cocê eu mi recordei daquele amigo nosso, o Jãozinho da dona Inês.

- Ah não seu Wirsú, num mi diga.

- Digo sim seu Bastião, ele largo da muié e foi mora cum uma moça novinha lá em Belo Horizonte.

- É a vida seu Wirsú.

- Etá vida seu Bastião.