A festa de Santo Expedito da igrejinha do Ribeirão da Laje nasceu pequena, mas nasceu fadada a fazer sucesso. Aquilo caiu no gosto do povo e virou um trem de respeito; é uma festa organizada, já tem as modernices de privada química, barraca tipo tenda árabe armada à volta da igreja que tem pra vender desde canivete Corneta e faca Lapiana de cabo trochado –cada baita faca!- até lingeries daquelas vermelhas ou pretas ornadas com renda que ficam penduradas em varais dentro da barraca, num total afrontamento às solteironas, viúvas e separadas, num total incitamento lascivo às mocinhas e seus namorados. O povo não se envergonha do mostruário, num ta nem aí, num dá nem tchum... Acho que acabou a vergonha no mundo!
               

            A outra barraca vende coisas de comer, um tanto de não se acabar mais. Leitoas com muita cebola, sanduíche de lingüiça pura de porco. O chão da boca da gente vira um rio de tanta saliva. Não há quem agüente a vontade experimentar o arroz doce da dona Catarina, o macarrão quadrado, as paçocas de Piranguinho, botando cheiro de fome no ar, acendendo na gente uma vontade de cascar um golpe de pinga pros peitos. É uma gostosura iconha, é coisa que só existe no céu, benza Deus!
            Foi nessa festa que Zé do Neco inventou de ir.
            E aí, eis que o Zé do Neco possuía um cachorro, não um cão qualquer, mas um “puta” dum Pastor Alemão deste tamanho; preto, negro retinto. Como todo pastor o animal era a bondade em pessoa; manso, quieto, amigo de todo mundo, amigo de tudo quanto era vivente, a tranqüilidade em pessoa, digo, em cão. Antenor garantia até que ele era a reencarnação do lobo de Gubbio de São Francisco de Assis. Nesta encarnação, porém,  atendia pelo nome de Xicão.
 

            Zé do Neco juntou a esposa, o filho Reis (de Reismundo), o Xicão e estando todos dentro do jipinho partiram em direção ao Ribeirão da Laje. No meio daquele rór de gente o dia foi entardecendo, o povo comendo e bebendo e quando o sol foi se pondo atrás da serra dos Marins o padre chamou o povo pra começar a missa. Xicão ficou calmamente na porta lateral da igrejinha, esperando.
            No que o padre terminou a função, e com as mãos abençoou: “Ide em paz!” começou o foguetório a fim de comemorar o santo.
            No que iniciou o tiroteio dos foguetes, Xicão se ergueu e saiu pro mundo à procura de esconderijo onde aninhar seus medos; foi quando alguém saiu de uma daquelas casinhas de privada química e o Xicão aproveitou a porta aberta, e enfiou-se nesse abrigo providencial.
            Ara seja! O Euremo Pioli, que por conta da cervejada que havia tomado, antes, durante e depois da missa, estava já no estado de segurar os miúdos pra não urinar nas calças. Enxergou as privadinhas da prefeitura e aprumou-se praquela banda e vendo que a privada não estava ocupada, entrou.
            Lá dentro, no escuro, não pensou muito e começou a abrir a braguilha. O Xicão, preto como um breu, dentro do mesmo mijador, mas por motivos diferentes, quieto estava, quieto ficou. Então o Euremo tirou fora o breguélo e como estava meio chumbiado, com a pressão hidráulica a ponto de estourar, mijou do jeito que deu certo, pra variar, fora do buraco da privada.
            Foi então que o Xicão –duplamente assustado com o foguetório e com o mijo na cara- levantou-se e rosnou aquele ronco grosso que só deve existir, suponho, na escuridão das profundas do inferno. O pobre Euremo, no susto, virou-se e sem guardar o instrumento braguilha adentro, sentou o peito na porta arrancando a porta com dobradiças e tudo e saiu pro meio do povo. Mijado do umbigo pra baixo e -infelizmente por causa do susto- com barro intestinal escorrendo até o calcanhar.
            Após o susto e conseqüente vexame, Euremo nunca mais apareceu no Ribeirão da Laje (dizem que até fez jura de nunca mais voltar), de vergonha por causa do acontecido e também de medo de reencontrar o cachorro preto do demo. Xicão, por sua vez, não arreda mais as patas do sítio; por medo do foguetório e também de voltar a encontrar aquela assombração que mijou no focinho dele. Um foge do outro quinem o diabo da cruz!