A AGULHA QUEBRADA

Seu João Quebra Queixo era um homem já maduro, não velho, mas nunca tinha sentido uma dor na ponta de uma unha. Tinha uma saúde de ferro. Amansava burro bravo, derrubava boi nas vaquejadas, tirava leite das vacas e ainda fazia muitas proezinhas que alguns cabras novos não tinham fôlego para fazer. Mas de uns tempos para cá estava começando a sentir umas dorzinhas nos ossos. Algumas vezes nas mãos, outras nos joelhos e assim ia levando. Como não tinha médico em Itapipoca, pois ainda estava em 1940, ia tentando curar estes pequenos dissabores esfregando sebo de carneiro capado nos locais das dores, tomando xaropes de mastruz com leite e outras meizinhas. Mas os ossos já estavam se enferrujando como navio com a água do mar, embora tivessem períodos de descanso resistiam e apareciam com novas dores. A família pedia para ele ir até Fortaleza e fazer uma consulta com um bom médico. Seu João também resistia aos pedidos.

- Ora, isto é coisa passageira, se a dor entrou, ela sai. Não carece tanto trabalho.

Assim continuava a labuta. Um certo dia, porém, tomou a resolução.

- Ta bem, eu vou a este médico, embora eu saiba que estes baboseiras não sabem de nada. Melhor é Dona Tereza do Congo, benzedeira das boas.

Marcaram a consulta e ele marcou a data da ida com seu filho Pé de Aço,que dirigia o caminhão STUDBAKER do Coronel Macaxeira, homem abastado de sua pequena cidade de Itapipoca, que todos já sabem. A estrada era longa e de piçarra. Asfalto não se sabia ainda se era preto ou branco. Devido os catabilhos ou camaleões que se formavam na estrada, Pé de Aço tirava por cima sempre com uma velocidade de 70 a 80 milhas, porque todos os carros daquela época eram importados dos americanos e, por isto, seus velocímetros eram em milhas e não em quilômetros. Mas 70 milhas numa estrada esburacada de piçarra era uma temeridade, porque equivaliam de 100 a 110 quilômetros. Bom, mas vamos deixar de explicações, porque o povo não é burro e vamos entrar na história de Seu João.

- Eu vou com esta condição. Pé de Aço tem que dirigir devagar. Não é com medo não, mas também não tenho bunda para ser estraçalhada na boleia de um carro. Prefiro amansar um burro chucro.

Ficou combinado. Marcha vai, marcha vem Pé de Aço chegou em Fortaleza são e salvo. O médico passou certos remédios para o Seu João, que ele chamava de gororobas. Aviou a receita e explicou como tomar. Tudo feito, voltaram então. Pé de Aço na volta, doido para chegar em casa, empurrou o pé no acelerador do velho STUDBAKER, que já se disse ser o caminhão do Coronel Macaxeira. Chegando nas imediações do Riacho da Sela, lugar que hoje se chama Umirim, Pé di Aço freou bruscamente o caminhão. Seu João espantado com aquilo perguntou ao Pé de Aço:

- O que foi isso menino? Não estou vendo nenhuma vaca, nenhum jumento no meio da estrada. Pra que tanta besteira, eu quase quebro a testa no parabrisa.

- É que eu vi uma agulha na estrada e vou apanhar.

- Ta besta cabra, não enxerga mais não? A agulha não presta, esta com o fundo quebrado.

Foi em 1940, em plena II guerra mundial.

Antonio Tavares de Lima
Enviado por Antonio Tavares de Lima em 27/02/2012
Reeditado em 09/04/2014
Código do texto: T3522932
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