Um matuto aprendendo a ser amado

Pois é, meus caros leitores desculpem meu estilo de escrever assim meio enfadado. Diria até que me pareço com Machado de Assis na artimanha de conversar com vocês, nobres senhores. Acho uma qualidade interessante para enriquecer a linguagem dos meus contos. Mas nunca que eu seria como o Machado de Assis. Ele é um assassino literário. Isso mesmo, um assassino. Basta observar o que ele andou fazendo com as personagens dos seus livros. Matou quase todos. Chegou até a se matar em um de seus romances. Mas eu não sou assim. Nossas aparências ficam só nessa característica de conversar com vocês, meus amigos.

Essa nova história que vos apresento poderia ser longa e enfadonha para se ler, mas serei breve e farei o possível para este conto ficar interessante.

O ano de 2002 foi muito empolgante para esse matuto metido a poeta que vos escreve. Isso por que eu estava em novos ares. No final do ano anterior eu trocava de cidade e estava agora morando em Urânea. Para melhor dizer, voltava a morar na zona rural, depois de muito tempo. É redundante dizer que a rotina mudara. Tudo mudou. Os vizinhos eram outros. As amizades tiveram de serem mudadas. Enfim, era uma nova fase de minha vida. Mas eu continuava um matuto. Isso mesmo, apesar de estar vindo da cidade para o sítio, eu era mais matuto do que quem morava na zona rural. Fui estudar em uma escola no sítio e não imaginava encontrar tantas coisas interessantes por ali. Confesso que comecei mudar minha personalidade a partir daí.

Na nova escola eu conheci amigos muito diferentes daqueles da escola que eu estudara anteriormente. Para situar-vos vou contar-lhes sucintamente como eram as amizades de antes e depois.

Os colegas de sala de aula que eu tinha quando cursava a sétima série eram muito imaturos, diria até crianças. Alguns poucos da turma se comportavam diferente, mas a maioria dos meninos e meninas ainda estavam na puberdade que, diga-se de passagem, aquela era a época certa. Os assuntos mais recorrentes na sala de aula eram o futebol e os namoros. Muitas brincadeiras rolavam, apelidos eram registrados. E isso que os educadores chamam hoje de Bulling comia solto nesse tempo. Todos procuravam depreciar um ao outro suas características humanas e corporais. Eram coisas pouco construtivas. Adolescentes sem cabeça para construir coletivamente a personalidade uns dos outros, e levei um pouco dessas características em mim.

Na nova turma encontrei moças e rapazes em um mundo diferente. Pareciam bem mais maduros ou, por que não dizer mais vividos, apesar de estarem na mesma faixa etária dos antigos colegas. Eram pessoas mais esclarecidas, jovens mais atuantes, mais interessados por construir seu futuro. Todos se respeitavam muito e demonstravam muita maturidade. Pareciam mais desinibidos, mais liberais nas relações pessoais. Eu logo percebi que aquela turma se agigantava aos meus olhos e eu aprendia muito com eles. Certo que ainda estava muito preso ao passado, mas mudava minha personalidade com a ajuda significante daqueles sujeitos, sem que eles soubessem. Os professores daquela escola contribuíram bastante para que aqueles jovens fossem mais responsáveis. Fazendo uma bela reflexão poderemos perceber o paradoxo de sociedade que era entre o meio rural e urbano nesse conto: a zona rural “moderninha” e a cidade estagnada em seu progresso social.

Pois bem, este matuto que vos relata essa história passou por “maus” bocados nessa época. Se antes eu sempre era caracterizado como feio, preto, pobre e sujo, pelos meus colegas de escola e de vizinhança, agora eu era mais valorizado pelos novos colegas. Todas as moças de minha turma eram muito bonitas e, para meu espanto, me achavam bonito também. Três delas perceberam meu acanhamento e resolveram me “desacanhar”. Eram as lindas Kaliane, Iara, e Rosa. Elas cuidaram de me conhecer melhor. Perguntavam sobre mim, tiravam brincadeiras íntimas comigo e me elogiavam, coisas que até então eu não havia vivenciado. Certa vez eu fiquei muito embaraçado quando Kaliane e Rosa bloquearam minha passagem no momento de entrar na sala de aula e disseram em tom peremptório e desafiador:

- Só passa aqui se nos der um beijo - ordenava Kaliane.

Fiquei muito surpreso com a situação. Só não fiquei vermelho naquele instante porque minha cor não permitia. Elas insistiram:

- Só passa se nos der um beijo, rapaz. Um beijo em cada uma de nós - reforçava Rosinha.

- E aí vai dar ou não? Perguntou Kaliane.

Estava quase morto de vergonha. Eu era muito acanhado e aquelas meninas perceberam rapidamente. Vendo elas que eu não teria coragem de fazer o que queriam, trataram de amenizar minha situação.

- Vamos lá rapaz, só um beijinho, pode ser no rosto mesmo – ouvi isso de Kaliane, que parecia ser a mais interessada naquilo que seria a chave para as nossas amizades ficarem mais coloridas e interessantes.

Não disse nada. Não conseguia dizer nada. Tinha quinze anos de idade e nunca havia dado beijo em alguém. Nem mesmo beijo no rosto. Estava em uma situação embaraçosa. Hoje eu fico rindo dessa situação, mas com certo arrependimento. As moças eram lindas. Enfim elas perceberam que eu não teria coragem de atender ao pedido e me deixaram passar. Com uma ressalva:

- Tá bom, pode passar. Mas você está devendo hein.

Entrei na sala com um sorriso embaraçado, mas feliz. Aquelas meninas estavam me enchendo o ego, me faziam sentir alguém. Minha autoestima subia e eu me desacanhava devagarinho. Uma vez Rosinha me interpelava com insistência.

- Por que você não quis nos dar um beijo naquele dia Neguinho?

- Sei lá - disse eu – tava morto de vergonha - encerrei

- Tem que desenrolar rapaz. Eu tive um namorado parecido com você. Um Neguinho lindo. Gosto de morenos assim – dizia ela quase me beijando. Aliás, ela me beijou... No rosto... Mas beijou.

- Ai se eu te pego Neguinho – continuava a provocação.

Iara, uma loirinha magrela de sorriso simpático e lindo, era a mais discreta das três. Mesmo assim ela vivia me fazendo elogio e dizendo que gostaria de namorar comigo. Rosinha quase me arrancava um beijo na boca em um momento em que eu a encarava com semblante enigmático. Ela ameaçava roubar um beijo meu a qualquer momento. Eu apenas sorria. Dizia uma ou duas palavras de contentamento e, à vezes, sem nexo devido ao momento embaraçoso para mim.

Meus caros leitores, situações conflitantes para um iniciante na arte das intimidades como essas relatadas aconteceram com bastante frequência e serviram muito para esse matuto perder o acanhamento que era visível. Fiquei apaixonado por aquelas meninas. Não cheguei a namorá-las, mas enamorava delas mesmo assim. Rosinha era a que mais mexia comigo. Kaliane a que mais escancarava o meu acanhamento. Iara, como já falei, era a mais discreta, mas também costumava encher minha “bola”. Elas deram uma forte contribuição para este matuto não morrer na solidão tão cedo. Fizeram desse matuto de pedra um matuto amante. Um sujeito que agora acreditava no amor e se aventurava por suas alegrias e infortúnios.

Os outros colegas me ensinaram muito na arte das relações pessoais. Cada um daqueles 28 colegas de turma era sujeito interessante para mim. Devo muito a cada um. Quero dizer que eles se agigantaram aos meus olhos.

Encerro esse caso contando para vocês, amados leitores, que depois daquele tempo eu me tornei outra pessoa.

Eu vos agradeço muito meus amigos, filhos de minha alma. Muito obrigado por tudo!

Jozias Umbelino
Enviado por Jozias Umbelino em 28/02/2012
Reeditado em 29/02/2012
Código do texto: T3525087
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