As lavadeiras do Rio

Todo mundo sabe que mulher fala muito. Mas as lavadeiras de trouxa de roupas nos rios são as campeãs. Então resolvi escrever uma conversa que ouvi, assim meio que sem querer, de um grupo de lavadeiras que estavam no labor do dia-a-dia num dos rios aqui de Minas: tinha que ser de Minas né!

Quatro lavadeiras caminhavam por uma estrada de terra rumo a um rio da região. Cada uma delas carregando uma trouxa de roupa na cabeça.

Eu, francamente, nunca entendi como elas fazem aquilo.

Uma delas chamava Maria, comadre da Izabel, que também era lavadeira e estava no grupo.

Outra se chamava Ambrosina e quarta, Anastácia.

As quatro chegam à margem do rio num lugar cheio de pedras, ótimo para bater as roupas. Coitada das roupas!

As trouxas são desmanchadas e começa a labuta, quer dizer, a fofoca né!

A Maria já vai soltando seu veneno, dizendo:

-cumade Izabé, ocê viu a fia da minha vizinha, a Anita? Nem te digo cumade! Onti ela saiu de casa a tardinha com o namorado dela e ocê precisava ver o tamanho da saia dela. Não que eu tenho nada a ver com isso, mas ali num vai dá nada que presta. Dispois ela aparece embuchada e a Alzira, a mãe dela, é que vai sofrer pra criar o catarrento.

- Mais é mês, cumade Maria! Que falta de pouca vergonha cumade! Nóis tamu no fim do mundo mês, viu! Onque se viu uma coisa dessas! No meu tempo a gente não podia nem pegá nas mão, quanto mais sair assim sozinha com namorado e sabe lá onde se vai!

E a Izabel continua:

-óia, ainda bem que lá em casa eu num tenho esse pendengo não! Eu trago minha fia aqui ó! E ai dela se me desobedecê!

-Mais falando em servengonhice, aquela menina da rua de baixo, a Rosa, óia que ela não é flor que se cheire não viu! Pois outro dia ela não apareceu lá em casa com uma sai tão curta que eu não sabia onde começava e onde acabava os pano dela!

Eu nunca que gostei daquela sem vergonha, nem sei o que os home vê nela! Toda sem graça, mixuruca! Eu sou bem mais que ela, num é cumade?

-quando eu cheguei em casa, ela tava sentada no sofá junto com meu marido, aquele ordinário, e os dois rindo a vontade. Eu rodei logo a baiana né cumade Maria, por que oce sabe que eu num do chance praquele vagabundo não.

Aí ele me falou que num tinha aconticido nada. E eu pra garantir tudo, mandei ela xispá logo la de casa.

A Maria aproveitando:

- pois é cumadi Izabé, eu também assustei cum ela La em casa sozinha cum meu fio. Os dois estava sentado no sofá da sala sozin de tudo. Aí quando cheguei meu fio ficou todo vermei e foi logo dizendo que não tinha acontecido nada também. Como meu fio num mente pra mim, eu acreditei nele.

Neste momento a comadre Maria pega uma parte da roupa que estava lavada e sai para estendê-la na pedra pra secar.

A comadre Izabel então fala para a Ambrosina:

- Cê viu a inocente da cumade Maria?

Coitada dela. Vai sofre com aquele menino, tadinha.

- mas por que? perguntou a Ambrosina.

- ué intão oce num sabe? Tão dizendo por ai que aquele fio dela é viadin. Que disgosto que a cumade vai tê!

- e a cumade ainda vem me contá que o fio dela num fez nada com a Rosinha! Uma menina tão bem aparentada, cheia de gracejo, vistosa que nem ela.

- pra mim aquele minino inte ta é danu.

-Mas é verdade, Izabé! Disse a Ambrosina.

- pois eu fiquei sabenu que ele anda muito la pelas banda o córrego fundo com uns amigos. Bom ele diz que é amigo né! Mais eu não sei não viu!

- Me conta uma coisa, disse a Izabel, é verdade que eles nadam pelados lá?

- num sei! Nunca vi. Mas tem um vizinho meu que uma vez me falou assim meio que sem querer né que eles já nadaram juntos e que o tal fio da sua cumade fica oiandu muito pras coisa dele e dos otros também.

- então num escapa Ambrosina, é viado mês. Coitada da cumade Maria. Ela que num abre os zóio não!

Neste momento a comadre Maria volta para o rio:

A Anastácia que até então estava calada só ouvindo as coisas, (essas são as piores faladeiras) chegou perto da Izabel e perguntou:

-Maria, é verdade que seu fio anda pelado com otros home por ai?

- que que isso Anastácia? Pro mode de que oce ta falando isso?

- é que oce sabe né Maria! As pessoas andam falando, a gente escuta e como eu sou sua amiga né eu to abrindo seus zoio, ao contrario de certas pessoa aí que num fala nada.

A comadre Izabel teve um troço nesta hora.

E ela pensava. "nossa agora a Anastácia vai fala que eu tava falando mar do fio dela” “me ajuda que se eu sai dessa eu num falo de mais ninguém”

Esses bando de vagabundo num tem o que fazê, disse a Maria. Vive falando da vida dos otros. Quero vê eles aqui na beira do rio lavando uma troxa de ropa se eles vão ter tempo de falá dos outros.

A Ambrosina, pra não ficar de fora, disse:

-Liga não Maria, esse povo fala demais mês! Dispois tem uma coisa. Tem gente que fala do seu fio, mas num sabe que em casa tem uma vagabunda de piranha que anda falada na cidade toda, né Izabé!

- péra lá! Sua fofoqueira, oce ta falando da minha fia? Disse a Izabel.

- ué cumade Izabel, oce ta com raiva por que? É da sua fia que a Ambrosina ta falano? Intão oce tava falando do meu fio por ai?

- cumade Izabé, oce dexa de ser sem vergonha e vai cuidar da sua vida!!

A Anastácia, percebendo que a coisa estava esquentando, falou:

- oia gente, eu num quero cê chata não, mas eu acho que ta escurecendo e nóis ainda não terminamos a nossa troxa.

É mió né gente! Vamu deixá o dito pelo não dito e vamu embora que amanha nois tem que ta aqui de novo pra mode de trabaiá né! Disse a Maria.

E todas ajuntaram a trouxa de roupa, alguma lavadas, outras não. Mas também pudera né. Vai falar assim lá na put...

E vão as quatro de volta pra casa na mesma estradinha de terra, e enquanto vão se aproximando da cidade, ainda encontram tempo para um ultimo comentário:

Aí fala a Izabel:

-cumade Maria, como essa cidade tem gente fofoqueira né! Só vive falando da vida dos otros!

-Pois é cumade Izabé, eu é que num gosto dessas coisa. Por isso eu fico caladinha no meu canto com minhas troxas.

-e eu que nem gosto de ouvi os otros falando, disse a Ambrosina. Pra mim, entra aqui ó e sai aqui ó, apontando para os ouvidos. E completa:

-e mesmo que eu escutá alguma coisa, a minha boca é um túmulo. Não falo nadinha.

Pois eu detesto andá com gente que fala demais, disse a Anastácia. Isso num da nada que presta. E dispois a gente é que fica falada por aí.

Luiz Caeté
Enviado por Luiz Caeté em 29/03/2012
Reeditado em 14/12/2021
Código do texto: T3583001
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