Os velhos!
 
 
Eram cerca de seis horas da tarde, ela já estava colocando o caldo no fogão, era agradável ver o lume estalar entre luzes vermelhas e algumas folhas ainda verdes que davam um aroma fora do comum, fazendo alguma fumaça pela verdura das mesmas.
O caldeirão já negro deixava borbulhar todos os magros ingredientes da janta, meio corcovada Maria, mexia repetidamente aquela sopa mergulhada em grandes pensamentos.
No banco estava o José, resmungando sobre o campo e sua colheita fraca e magra, em cima da mesa apenas um pão já velho, tão velho como estes dois personagens aqui descritos, meio bolorento e negro, a caneca do vinho estava mais suja que a própria cor do mesmo.
 José resmungando pergunta a Maria, gritando:
- Ouviste o que eu falei oh, velha!
Maria que era já mais surda que nem uma porta grita:
- Não escutei, repete:
José então diz:
- Este ano não vai salvar quase nada da colheita, os malditos corvos estão comendo tudo.
Maria pensativa nada fala, fica ainda mais mordida naquele sufoco de vida e encolhe os seus ombros, pensando que nada havia a fazer naquele fim do mundo, isolada e sozinha ali no meio do nada.
Parando de mexer o seu caldo, ela olha o seu velho e diz-lhe:
- Queres mesmo saber da minha opinião? Já nem me importo mais, quando mais cedo que Deus me levar melhor.
José diz algumas pragas bem feias a sua mulher e ela nem ai para ele.
O caldo fica pronto, aquela água quase sem nada, apenas com alguma gordura e batatas e umas couves, deixava sair todo o vapor aquecendo um pouco a alma deles.
Comeram no maior silencio como se fosse uma oração mágica, no silencio Maria agradecia o pouco que tinha, mas o José lamentava a sua pouca sorte e sua pobreza. Depois sentaram os dois no banco velho junto o lume aproveitando o calor que ainda vinha de lá e Maria coloca mais dois cavacos para passar o tempo.
O tempo ali, não tinha ponteiros, nem andava ligeiro apenas andava como eles velho e chato.
 O lume cresceu e iluminou melhor aquela pequena cozinha, Maria olhou o rosto do José mal encarado de mal com a sua vida, ela sim podia estar assim afinal ela era tão bonita em nova e teve tantos partidos ricos e nunca aceitou, gostou dele e foi com ele que ela se deitou e casou.
Por momentos ela lembrou as azedas palavras dita ao José sobre a colheita, já arrependida ela fala em um tom mais calmo:
- Oh, velho, deixa para lá a colheita, desde que chegue para o nosso sustento, já agradeço a Deus por isso. No próximo ano será melhor vais ver.
José olha para ela surpreendido e exclama:
- Oh, velha, eu nunca entendi porque me escolheste sabendo que eu era o mais pobre e o mais burro da aldeia, confesso que ando me perguntando estes anos todo qual foi a tua razão...
Maria sorri e lhe diz:
- Queres mesmo saber?
Ele acena a sua cabeça e diz que sim.
Maria então começa:
- Sabe José, eu não olhei as riquezas que eram mostradas, nem mesmo a beleza exterior, elas não eram nada importantes para mim, sempre me educaram a ver o coração das pessoas e esse é difícil de acessar e quis Deus que eu visse o teu coração cheio de amor por mim mesmo sendo pobre e sem nada na vida. O amor que eu vi em ti não tinha como comprar, por isso resolvi ir contra tudo e todos e casar contigo e até hoje não me arrependi.
José olhava com outro olhar um olhar tranqüilo e cheio de amor pela sua mulher, pensou nas dificuldades que juntos eles passaram, o filho que lhes morreu no campo e ela nunca perdeu a sua fé, apesar de todas as dificuldades impostas a eles. Cada dia ele via nela uma mulher cheia de coragem e de garra, mesmo quando ele estava desabando, era ela que o levantava e seguia na corrente do rio.
Assim era a vida como ela corria rápida, deixando as suas marcas pesadas por ali, uma vivencia forte, uma superação ainda mais forte, mas que resultou no amor que os dois sentiam nada conseguiu destruir aquele amor.
Cansados e com sono José ajuda a Maria se levantar do banco e vão para a cama dormir, podia acontecer o pior no dia a dia, mas sempre adormeciam abraçados na noite, nunca deixaram que os problemas invadissem o seu leito.
Já de cabelo solto Maria ainda tinha um rosto lindo, seus cabelos brancos e fartos cobriam seus ombros, com frio ela se ajeita, tentando achar o melhor lugar para descansar.
Já quase dormindo ela ainda diz:
- José que Deus te abençoe hoje e sempre. Olha acredita sempre no poder de Deus, ele sabe o que é melhor para nós. Nunca te esqueças que eu te amo e sempre te amarei.
José sentiu um leve arrepio pelo corpo, uma sensação estranha meio frio e gelado, docemente ele beijou a testa da sua esposa como sempre fazia, abraçando ainda mais forte para o seu corpo.
Passaram vários momentos como se fosse um filme da sua vida, cansado ele adormeceu. O sol já espreitava pela janela, era já mais de sete horas, José estava confuso, que aconteceu a Maria não o acordou, abanou-a, mas ela permanecia imóvel, por momentos ele sentiu o gelo do seu corpo.
Maria estava morta e morreu como ela sempre falava em seus braços, chorando que nem um condenado ficou ali sem saber o que fazer abraçado na sua mulher, escutava as suas sabias palavras e ganhou a coragem que a Maria ensinou naquela longa década e decidiu a que vida continuava...
 
 
De fato a vida continua, houver existir esperança, existe amor, onde o amor existe a fé ilumina os caminhos e estes caminhos foram iluminados no amor.

Era estes os dizeres daquela lápide fria.

Betimartins
Enviado por Betimartins em 29/04/2012
Código do texto: T3640024
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